Prosimetron

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sábado, 5 de fevereiro de 2011

Ítaca

 
Pinturas encontradas em Acrotiri, Thera (Santorini) 

Quando partires de regresso a Ítaca, 
deves orar por uma viagem longa, 
plena de aventuras e de experiências. 
Ciclopes, Lestregónios, e mais monstros, 
um Poseidon irado – não os temas,
jamais encontrarás tais coisas no caminho, 
se o teu pensar for puro, e se um sentir sublime 
teu corpo toca e o espírito te habita. 
Ciclopes, Lestregónios, e outros monstros, 
Poseidon em fúria – nunca encontrarás, 
se não é na tua alma que os transportes, 
ou ela os não erguer perante ti. 
Deves orar por uma viagem longa. 
Que sejam muitas as manhãs de Verão, 
quando, com que prazer, com que deleite, 
entrares em portos jamais antes vistos! 

Em colónias fenícias deverás deter-te 
para comprar mercadorias raras: 
coral e madrepérola, âmbar e marfim, 
e perfumes subtis de toda a espécie: 
compra desses perfumes quanto possas. 
E vai ver as cidades do Egipto, 
para aprenderes com os que sabem muito. 
Terás sempre Ítaca no teu espírito, 
que lá chegar é o teu destino último. 
Mas não te apresses nunca na viagem. 
É melhor que ela dure muitos anos, 
que sejas velho já ao ancorar na ilha, 
rico do que foi teu pelo caminho, 
e sem esperar que Ítaca te dê riquezas.
Ítaca deu-te essa viagem esplêndida. 
Sem Ítaca, não terias partido. 
Mas Ítaca não tem mais nada para dar-te. 
Por pobre que a descubras, Ítaca não te traiu. 
Sábio como és agora, 
senhor de tanta experiência, 
terás compreendido o sentido de Ítaca.

Konstantinos P. Kavafis
Trad. Jorge de Sena

 

EM ÍTACA 
Quando um homem se põe a caminhar 
deixa um pouco de si pelo caminho. 
vai inteiro ao partir repartido ao chegar. 
O resto fica sempre no caminho 
quando um homem se põe a caminhar. 

Fica sempre no caminho um recordar
fica sempre no caminho um pouco mais 
do que tinha ao partir do que tem ao chegar. 
Fica um homem que não volta nunca mais 
quando um homem se põe a caminhar. 

Vão-se os rios sem margens para o mar. 
Ai rio da memória: só imagens. 
O mais é só um verde recordar 
é um ficar (sem as levar) nas verdes margens
quando um homem se põe a caminhar. 

Manuel Alegre (excerto de Um barco para Ítaca)

2 comentários:

c.a. (n.c.) disse...

O mais importante não é o porto, é a ideia do porto, e a viagem. Belo poema de Kavafis.

MR disse...

Kavafis é um poeta maravilhoso.