Terça-feira, 17 de Junho de 2008. Um dia de trabalho intenso! Aproveito uma pausa... para me refrescar e mudar de roupa. A noite vai ser longa e só vou conseguir viajar pelo meu interior. O meu companheiro de viagem segredou-me a história da sua viagem:
... Seguindo o mapa saí da povoação por uma estrada que havia ao lado da sua casa. Depois apanhei a 247, perdendo-me várias vezes, até que cheguei ao Convento dos Capuchos. Estava fechado e com aspecto abandonado. Nem um carro, nem uma alma. Só se ouvia o rumor dos riachos, o canto dos pássaros, o movimento das folhas das árvores. Toquei à campainha que havia junto a uma porta desengonçada, mas não apareceu ninguém, de modo que decidi dar um passeio pelo bosque. Cheguei, depois de me perder na direcção norte, a um lugar húmido de abundante arvoredo, onde havia fetos secos ao lado de outros verdejantes. ... Parecia um botânico a auscultar plantas... Os feixes luminosos davam um certo mistério ao bosque... Senti medo e voltei de novo ao convento. Quando cheguei vi um homem à entrada, que era, afinal, um frade capuchinho, mas sem sotaina, e que me sorriu e convidou a entrar. Disse-me que o convento devia estar fechado durante o tempo que durasse a restauração. Andavam assim há três anos e ainda não tinham começado as obras, de modo que tinha decidido abri-lo a pessoas que o solicitassem. Informou-me, então, que o convento tinha sido construído em 1560. Perguntei-lhe porque eram as celas dos monges tão pequenas e como resposta sorriu-me. As salas eram escavadas na rocha e as suas portas baixíssimas, como se aqueles clérigos fossem na realidade gnomos da floresta. Ele não respondia a algumas perguntas. Fazia-se surdo quando não queria responder, só se referia ao que era convencional e enunciava as respostas que sabia por pura lógica. Limitava-se a dizer as frases típicas, as lendas que aparecem em todos os guias portugueses. Mostrou-me o refeitório, a cozinha e os aposentos. Era tudo austeridade, pobreza e abandono de bens mundanos. Contou-me que o próprio Filipe II, quando foi rei de Portugal, disse que tinha no seu reino o convento mais rico e o mais pobre: o Escorial e os Capuchos. Eu observava de uma maneira convencional, como quem não espera nada porque só aguarda que o tempo passe rapidamente e não presta muita atenção à realidade presente. Mas na passagem de um recinto para outro, justamente ao chegar ao refeitório, comecei a ficar com pele de galinha. Parei. Os pêlos dos braços pareciam esticar-se como se um íman os atraísse para as pedras das paredes. Senti um calafrio que saía da minha garganta e que descia pela minha coluna. O capuchinho que me guiava e que me ia contando histórias sobre o seu convento parou de repente e começou a observar-me. Andou à minha volta e perguntou-me:
- E tu quem és? ...
- E eu quem sou?
[O meu companheiro de viagem é Antonio Rodríguez Jiménez, A Alquimia do Unicórnio, Lisboa, Vega, 2007]
... Seguindo o mapa saí da povoação por uma estrada que havia ao lado da sua casa. Depois apanhei a 247, perdendo-me várias vezes, até que cheguei ao Convento dos Capuchos. Estava fechado e com aspecto abandonado. Nem um carro, nem uma alma. Só se ouvia o rumor dos riachos, o canto dos pássaros, o movimento das folhas das árvores. Toquei à campainha que havia junto a uma porta desengonçada, mas não apareceu ninguém, de modo que decidi dar um passeio pelo bosque. Cheguei, depois de me perder na direcção norte, a um lugar húmido de abundante arvoredo, onde havia fetos secos ao lado de outros verdejantes. ... Parecia um botânico a auscultar plantas... Os feixes luminosos davam um certo mistério ao bosque... Senti medo e voltei de novo ao convento. Quando cheguei vi um homem à entrada, que era, afinal, um frade capuchinho, mas sem sotaina, e que me sorriu e convidou a entrar. Disse-me que o convento devia estar fechado durante o tempo que durasse a restauração. Andavam assim há três anos e ainda não tinham começado as obras, de modo que tinha decidido abri-lo a pessoas que o solicitassem. Informou-me, então, que o convento tinha sido construído em 1560. Perguntei-lhe porque eram as celas dos monges tão pequenas e como resposta sorriu-me. As salas eram escavadas na rocha e as suas portas baixíssimas, como se aqueles clérigos fossem na realidade gnomos da floresta. Ele não respondia a algumas perguntas. Fazia-se surdo quando não queria responder, só se referia ao que era convencional e enunciava as respostas que sabia por pura lógica. Limitava-se a dizer as frases típicas, as lendas que aparecem em todos os guias portugueses. Mostrou-me o refeitório, a cozinha e os aposentos. Era tudo austeridade, pobreza e abandono de bens mundanos. Contou-me que o próprio Filipe II, quando foi rei de Portugal, disse que tinha no seu reino o convento mais rico e o mais pobre: o Escorial e os Capuchos. Eu observava de uma maneira convencional, como quem não espera nada porque só aguarda que o tempo passe rapidamente e não presta muita atenção à realidade presente. Mas na passagem de um recinto para outro, justamente ao chegar ao refeitório, comecei a ficar com pele de galinha. Parei. Os pêlos dos braços pareciam esticar-se como se um íman os atraísse para as pedras das paredes. Senti um calafrio que saía da minha garganta e que descia pela minha coluna. O capuchinho que me guiava e que me ia contando histórias sobre o seu convento parou de repente e começou a observar-me. Andou à minha volta e perguntou-me:
- E tu quem és? ...
- E eu quem sou?
[O meu companheiro de viagem é Antonio Rodríguez Jiménez, A Alquimia do Unicórnio, Lisboa, Vega, 2007]
Não deixa de se notar uma nostalgia do tempo em que conventos e mosteiros tinham a sua função: acolher frades e monges. Aqui há uns anos acolhi um investigador aragonês que vinha fazer pesquisas a Portugal sobre a Rainha Santa. A dada altura perguntou-me se não lhe podia dar uma carta de recomendação para as monjas clarissas de Santa Clara-a-Nova...
ResponderEliminarFoi com espanto dele que lhe expliquei ter sido nesse lugar que tinha ido à inspecção militar...
:-)