domingo, 10 de agosto de 2008

Companheiros, farei um poema excelente


Companheiros, farei um poema excelente:
terá mais de louco que de inteligente;
misturará amor, prazer e fogo adolescente.

Por vilão tende o que entendê-lo não tente,
quem no seu coração o não guarda ou sente:
duro é perder o amor quando o achámos tão ardente.

Dois cavalos tenho para montar contente,
qual deles o mais ladino e o mais valente,
mas não posso ter os dois, que um o outro não consente.

Seu eu os domasse a meu modo eficiente,
manteria o equipamento imponente,
pois montaria melhor que qualquer outro vivente.

Um foi cavalo montês do melhor dente,
mas tão arredio foi tão longamente,
tão feroz e selvagem, que montá-lo é imprudente.

Outro em Confolens se fez experiente;
de algum mais belo nunca ninguém foi ciente;
nem por ouro ou por prata o trocaria, é evidente.

Potro ainda, a seu dono o dei de presente,
com a condição de, por cada ano ausente,
eu o poder usar mais de um século livremente.

Cavaleiros, dai-me um bom conselho urgente.
Uma escolha me embaraça de repente:
não sei se optar por Inês ou Arsénia é diferente.

De Grimel, bens e castelo, sou tenente,
e por Niol me imporei a toda a gente.
Ambas as terras juraram servir-me fielmente.


Guilherme IX de Aquitânia, Poesia;

tradução e introdução por Arnaldo Saraiva, Assírio&Alvim, 2008

1 comentário:

  1. Obrigada:
    -Por me dar a conhecer este poema.
    -Viajar até ao tempo dos cavaleiros.

    Deixo-lhe um poema do século XX de Fernando Campos como hino ao meu gato que gosta de filosofar.

    Luva Branca

    (Poderia arrumar em prosa a poesia deste conto.
    Apeteceu-me alinhar em verso a prosa dele)

    O meu gato está velho,
    tem dezoito anos.
    Deixou a um canto
    há muito
    o seu novelo de trapos.
    Ele tem frio,
    tem frio nas suas luvas brancas.
    Luvas brancas, sim, luvas brancas,
    porque ele é fidalgo
    o meu gato.
    Mas agora está cansado e velho,
    tem dezoito anos.
    Ali está, a um canto,
    o seu novelo de trapos.
    O ratão clássico da fábula
    é agora único
    e todo-poderoso
    senhor das águas-furtadas.
    Já lá vai o tempo
    -só de lembrar estremece-
    em que temia a luva branca
    (luva branca de fidalgo,
    não esqueçais)
    do meu gato.

    O meu gato tem frio,
    frio nas suas luvas brancas.
    A custo pulou para a cadeira
    onde costuma dormir a tarde inteira
    e lá ficou que tempos
    a filosofar.
    Porque o meu gato
    está velho
    e com velhice
    tornou-se filósofo.
    Pensa muito, creio bem,
    no calor de um raio de sol,
    do sol que ele outrora desprezava
    quando corria
    -que ridículo!-
    atrás do novelo de farrapos.
    O deus do meu gato é o sol.
    Porque pensaram também os homens
    que o sol é que era Deus?
    Deixai o sol ser o deus dos gatos
    e procurai
    o deus que aquece as almas.
    O sol é o deus do meu gato,
    mas às vezes,
    quando não há sol,
    ele põe-se a filosofar
    sobre o calor
    dos meu joelhos...
    e assaltam-no então
    tão sérias dúvidas!

    O meu gato
    está velho
    filósofo
    tem dezoito anos
    e frio nas suas luvas brancas.
    Veio ter comigo.
    Digo-lhe:
    "Pede a um raio de sol
    que te aqueça".
    Há um fio de sol,
    um pobre doirado fio de sol
    que coa pelo vidro partido
    e vai cair
    num degrau da escada.
    Ali se enroscou
    o meu gato.
    Mas, quando o raio de sol
    fugiu,
    veio a correr
    pedir calor
    aos meus Joelhos.

    Fernando Campos

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