FRIBURGO-EM-BRISGAU
REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA
15 de Agosto de 1975
- Raios!
A velha senhora lutava com o guarda-chuva. As rajadas de vento e a chuva atingiam-lhe a cara enrugada, faziam-lhe voar as saias, destruíam as bocas-de-lobo do jardim. Com um dedo, tocou à campainha do portão.
Da casa, ao fundo do caminho, nada. Uma segunda tentativa permaneceu sem resposta. Irritada, a senhora começou a tamborilar nas ripas de madeira enquanto chamava: - Elfride! Elfride! Sou eu!
Passos que se arrastam. A corrente que se abre. Outra velhota apareceu, abrigada debaixo do alpendre.
- Hannah – disse Elfride, imóvel. – Não a esperava tão cedo.
[…]
O coração de Hannah pôs-se a bater mais depressa. Há quanto tempo não estava sozinha com ele? Pelo menos vinte anos, ou mais? Exactamente dsde… Desde 1950, sim. Vinte e cinco anos.
Sempre que atravessava o atlântico para voltar à Alemanha, Hannah viera visitar Martin Heidegger. E a Madame sempre a vigiar. Nunca longe, sempre pronta a entrar de rompante. Contabilizando o tempo que eles passaram juntos. E Martin cedia sempre.
Uma vez, apenas uma única vez, é que Martin tinha desafiado a proibição conjugal. Foi em 1950, em Friburgo, Hannah e Martin, os dois sozinhos. Foi depois do exílio de Hannah, depois do extermínio, depois do nascimento de Israel, depois da guerra. Depois de Martin ter sido condenado pela sua ideologia nazi, depois da derrota. E, vinte cinco anos depois, Martin e Hannah iam estar novamente sozinhos!
Porque desde que tinha descoberto a verdade sobre o amor adúltero de Martins e Hannah, a Madame estava e de guarda. […]
- Vá, minha cara, vá – disse Elfride, cruzando os braços. – Não, no escritório não. Ao fundo, ao pé da janela. Na sala de jantar. [...]
Assim começa O último encontro, de Catherine Clément (Porto: Asa, 2000)
Hoje leitura
CORRESPONDÊNCIA ENTRE HANNAH ARENDT E MARTIN HEIDEGGER
Apresentação de João Paulo Cotrim
com a participação de José Wallenstein
CCB, 12 Fev., 21h00
Sala Sophia de Mello Breyner
Entrada livre
Nos anos vinte do século passado, Hannah Arendt, jovem judia estudante de filosofia que se tornará referência do pensamento do século XX e implacável desconstrutora da ideologia nazi, tomou-se de amores pelo seu carismático professor, Martin Heidegger, também ele marcante filósofo, o qual viria a manter estreitas relações com o partido Nazi.
A relação manteve-se incólume ao longo do agitado século, através do fio de uma correspondência cheia de simbolismo e humanidade, a qual apenas se revela em meados dos anos 1990. Com o picante de trazer à cena a outra face do triângulo, Elfriede, a mulher do professor.
(do site do CCB)
Depois do seu comentário no meu post, sobre o filme da Hannah Arendt, vim aqui para reler o seu comentário ao filme e na pesquisa acabei encontrando vários post, entre eles, este. Ao ver o título deste livro "O último encontro" soou-me familiar e fui ver se o tinha. Tenho!Vou lê-lo, porque foi um livro que comprei em "saldos" e nunca o li.
ResponderEliminarBom sábado, MR!
Boa leitura! Achei-o imensamente comovente.
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