O protagonista Michael Berg tem quinze anos quando conhece Hanna Schmitz, uma mulher de 36 anos, bela, sensual e misteriosa. A narrativa decorre na Alemanha, na década de 50. Michael vive as primeiras experiências amorosas com Hanna até que esta, subitamente, desaparece da sua vida. Passados alguns anos, Michael, estudante de Direito, reencontra Hanna num processo de acusação a ex-guardas de campos de concentração. "Inicia-se então uma reflexão metódica e dolorosa sobre a legitimidade de uma geração, a braços com a vergonha" (ASA Editores, primeira edição de Dezembro de 1998).
O livro, por sua vez, segue esta reflexão de forma clara, acompanhada de uma sensibilidade extraordinária do autor, sem nunca correr risco de mistificar ou aligeirar os horrores cometidos.
Desde quinta-feira passada, está em cartaz o filme The Reader do realizador Stephen Daldry (The hours) na produção de Sydney Pollack e Anthony Minghella, infelizmente falecido em 2008. Os papéis principais estão a cargo de Kate Winslet e Ralph Fiennes, o jovem Michael é interpretado pelo actor alemão David Kross.
Raras são as adaptações cinematográficas bem sucedidas que têm uma obra literária por base. A meu ver, The Reader resultou, e muito bem. À excepção de pequenos pormenores, o argumento segue de forma fidedigna a narrativa do livro. Graças à realização e ao desempenho excelente dos actores (Winslet e Kross em especial), é omnipresente a essência deste livro em toda a película: o que é dito, mas, sobretudo, o que resta dizer entre Hanna e Michael, expressa a essência desta história: um relacionamento invulgar que marca profundamente a vida dos dois protagonistas. A condenação moral de Hanna, facto incontestável e necessário, mistura-se com a análise dos sentimentos e dos motivos que levam esta mulher a actuar num passado obscuro, num presente misterioso e num futuro em aberto. Michael representa, ora o espelho moral da História, ora o simples ser humano que nos ajuda a descobrir Hanna.
The Reader retrata a Alemanha dos anos cinquenta, em que os acontecimentos do período mais negro são abafados sob a aura da recuperação económica, para depois nos conduzir a meados dos anos sessenta, quando o confronto com a História é inevitável num ambiente de contestação estudantil crescente. O encontro entre Hanna e Michael em 1958 decorre num contexto não político, quase idílico nalgumas passagens, mas sempre sob a suspeita de haver algo por explicar e desvendar. O reencontro entre Hanna e Michael em 1966 dá-se num ambiente politicamente explosivo e culmina num julgamento. No entanto, o mistério chamado Hanna continua.
Cenários e guarda-roupa contribuem para este retrato bem conseguido. Os intérpretes secundários são maioritariamente alemães e falam, no entanto, em inglês. Kate Winslet, exemplo invejável da espécie humana que domina o inglês very british, introduz um sotaque genuinamente alemão no seu desempenho. Espantoso!
E a propósito de Kate Winslet: a qualidade do filme deve-se sobretudo à magnífica interpretação desta actriz. O papel difícil de Hanna não poderia ter um melhor desempenho. Neste ponto, estou de acordo com a crítica do Expresso de Vasco Baptista Marques, pouco benevolente quanto ao filme: "Para a posteridade ficará, ..., a interpretação de Kate Winslet que, ou muito me engano ou pode já começar a arranjar espaço nas estantes lá de casa para o Óscar" .
Bonito post. Deve ser interessante ainda não li o livro nem vi o filme. Em breve o farei. Obrigada.
ResponderEliminarVi hoje o filme - superlativo. As notas do Filipe capturam-no muito bem. Ficou-me a dúvida sobre as causas profundas da decisão de Hanna no processo - vergonha/ orgulho, expiação, uma combinação?
ResponderEliminarTambém hei-de ir ver o filme.
ResponderEliminarM.
Fui ver o filme. É admirável. Respondendo ao comentário do João Soares, acho que Michael Berg acertou quando diz que Hanna Schmitz tem um segredo e que esse segredo é a vergonha. Vergonha não do que fez mas do que não sabe!
ResponderEliminar