sábado, 25 de abril de 2009

Saudades... não têm conto

Lisboa: Avante, 2004 
€ 14,70

Cartas que António Dias Lourenço, então preso em Peniche, escreveu ao seu filho, que se encontrava doente de  leucemia, doença de que viria a morrer com 10 anos.

  
 
Um livro terno, que reproduz as cartas, histórias ilustradas que um pai escreve ao seu filho, entre 1964 e 1969. Dele retirei um trecho da carta, reproduzida em último lugar, em que Dias Lourenço explica o boneco ao filho: 

Peniche, 14-IX-1965 Meu filhito muito querido [...] E quase, quase que apostava que não conheces os bonecos de hoje do paizinho. Ora, quem havia de ser!... O nosso ursinho «Papusso», o coelhinho «Rabino», o Ti João Gadelha e mais os irmãos mais pequeninos do Rabino. Mas que paparoca estarão eles a comer? Pois é, os marotos andavam todos a comer as cenouras da horta do Ti João Gadelha e nem se lembravam que ele tinha de vendê-las no mercado para comprar sapatos e vestidos e calções para os seus meninos. - Que é lá isso, patifórios, a comerem as minhas ricas cenouras… - gritou o Ti João quando os viu no meio da horta. Os irmãos pequeninos do Rabino ficaram muito atarantados mas o Rabino alçou o rabete, alisou os bigodes e disse para o Ti João: - Ti João Gadelha, não seja mau que nós temos muita fomeca. Que havemos nós de comer, não me diz? O Ti João Gadelha não é mau lá isso não. Ficou um bocadinho calado a olhar para eles, pôs um dedo na cara pensativo e depois disse-lhes: - Bom, vou dar-vos de comer, mas cenouras não que me fazem falta. Maria! Maria! Traz duas malgas de milho para esta freguesia! E todos contentes, o «Papusso» a dar aos irmãozinhos pequenos do «Rabino», comeram umas belas pratadas de milho amarelinho. E o Ti João lá ficou a vê-los com as suas bogodaças negras arrepanhadas num sorriso. Afectuosos abraços aos Padrinhos e um xi-coração apertado e beijinhos cheios de ternura e saudades do Pai 

6 comentários:

  1. Como tantas vezes, as vítimas "colaterais" são as famílias.É sempre terrível perder um filho, pavorosa inversão da ordem natural das coisas, mas perdê-lo e não poder ( não sei se foi o caso concreto de D.Lourenço) despedir-se dele e consolar os que ficam é ainda pior, se tal é possível.

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  2. Obrigado por me dares a conhecer esta história. A História está cheia de histórias. Que ternura que essas cartas demonstram!...
    Recebe um cravo vermelho para colocares na lapela!

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  3. É uma delícia este excerto. Também não conhecia.
    A.R.

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  4. Obrigada,
    Vou tentar arranjar.
    A.R.

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  5. Que coisa linda, Manuela! De tocar qualquer coração. Obrigado. JPS

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