Lisboa: Avante, 2004
€ 14,70
Cartas que António Dias Lourenço, então preso em Peniche,
escreveu ao seu filho, que se encontrava doente de leucemia, doença de que viria a morrer com 10 anos.
Um livro terno, que reproduz as cartas, histórias ilustradas que um pai escreve ao seu filho, entre 1964 e 1969. Dele retirei um trecho da carta, reproduzida em último lugar, em que Dias Lourenço explica o boneco ao filho:
Peniche, 14-IX-1965
Meu filhito muito querido
[...]
E quase, quase que apostava que não conheces os bonecos de hoje do paizinho. Ora, quem havia de ser!... O nosso ursinho «Papusso», o coelhinho «Rabino», o Ti João Gadelha e mais os irmãos mais pequeninos do Rabino.
Mas que paparoca estarão eles a comer?
Pois é, os marotos andavam todos a comer as cenouras da horta do Ti João Gadelha e nem se lembravam que ele tinha de vendê-las no mercado para comprar sapatos e vestidos e calções para os seus meninos.
- Que é lá isso, patifórios, a comerem as minhas ricas cenouras… - gritou o Ti João quando os viu no meio da horta.
Os irmãos pequeninos do Rabino ficaram muito atarantados mas o Rabino alçou o rabete, alisou os bigodes e disse para o Ti João:
- Ti João Gadelha, não seja mau que nós temos muita fomeca. Que havemos nós de comer, não me diz?
O Ti João Gadelha não é mau lá isso não. Ficou um bocadinho calado a olhar para eles, pôs um dedo na cara pensativo e depois disse-lhes:
- Bom, vou dar-vos de comer, mas cenouras não que me fazem falta. Maria! Maria! Traz duas malgas de milho para esta freguesia! E todos contentes, o «Papusso» a dar aos irmãozinhos pequenos do «Rabino», comeram umas belas pratadas de milho amarelinho. E o Ti João lá ficou a vê-los com as suas bogodaças negras arrepanhadas num sorriso. Afectuosos abraços aos Padrinhos e um xi-coração apertado e beijinhos cheios de ternura e saudades do
Pai
Como tantas vezes, as vítimas "colaterais" são as famílias.É sempre terrível perder um filho, pavorosa inversão da ordem natural das coisas, mas perdê-lo e não poder ( não sei se foi o caso concreto de D.Lourenço) despedir-se dele e consolar os que ficam é ainda pior, se tal é possível.
ResponderEliminarObrigado por me dares a conhecer esta história. A História está cheia de histórias. Que ternura que essas cartas demonstram!...
ResponderEliminarRecebe um cravo vermelho para colocares na lapela!
É uma delícia este excerto. Também não conhecia.
ResponderEliminarA.R.
Obrigada,
ResponderEliminarVou tentar arranjar.
A.R.
Que coisa linda, Manuela! De tocar qualquer coração. Obrigado. JPS
ResponderEliminarRealmente...
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