sábado, 3 de outubro de 2009

Disse o Corvo "Nunca mais"

Paula Rego, O Corvo
O Corvo
De Edgar Allen Poe

Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de sciencias ancestraes,
E já quasi adormecia, ouvi o que parecia
O som de alguém que batia levemente a meus humbraes.
“Uma visita”, eu me disse, “está batendo a meus humbraes.
É só isto, e nada mais”

Ah, que bem d’isso me lembro! Era no frio dezembro,
E o fogo, morrendo negro, urdia sombras deseguaes.
Como eu qu’ria a madrugada, toda a noite aos livros dada
Pr’a esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celesteaes –
Essa cujo nome sabem as hostes celestiaes,
Mas sem nome aqui jamais!

(…)

Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestraes.
Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento,
Mas com ar solemne e lento pousou sobre meus humbraes,
Num alvo busto de Athena que há por sobre os meus humbraes.
Foi, pousou, e nada mais.

E esta ave extranha e escura fez sorrir minha amargura
Com solemne decoro de seus ares rituaes.
“Tens o aspecto tosquiado”, disse eu, “mas de nobre e ousado,
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernaes.”
Disse o corvo, “Nunca mais”

Pasmei de ouvir este raro pássaro fallar tão claro,
Inda que pouco sentido tivessem palavras taes.
Mas deve ser concedido que ninguém terá havido
Que uma ave tenha tido pousada nos seus humbraes,
Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre os seus humbraes,
Com o nome “Nunca mais”.
(...)

[1ª e 2ª , 7ª, 8ª e 9ª estrofes em 19 do poema]
Athena Revista de Arte, " O Corvo de Edgar Allan Poe", directores Fernando Pessoa e Ruy Vaz, Lisboa: Contexto Editora, (Edição facsimilada), Outubro de 1924, Vol I, nº1 p. 27-28.

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