Não lia o Romance da Raposa desde 197... Foi o primeiro livro que li de Aquilino Ribeiro. E demorou algum tempo até conseguir entrar em outro livro deste autor. A minha edição, que deve ter ficado pelo sótão da casa da Praia, era a preto e branco... Em Paris, por causa de umas serigrafias de Benjamim Rabier, fiquei a saber que havia uma edição com gravuras a cores. Hoje no 1.º Salão do Livro Antigo, que decorre em paralelo com as Antiguidades no Convento (Convento do Beato - Lisboa) e que acaba amanhã, uma mão amiga ofereceu-me uma dessas edições a cores (a 3.ª edição definitiva; Lisboa, Livraria Bertrand, s/d). Obrigado.
Aqui fica um pouco para todos recordarem...
[...] Mas temia-se da mãe que ao cabo duma semana de fome, depois do assalto frustrado à capoeira dum lavrador em que vira a morte a dois passos, lhe atormentara o juízo com advertências e bons conselhos:
- Salta-Pocinhas, minha filha, tens de procurar outro ofício. Comer e dormir, dormir e comer também eu queria. Olé! Se ainda o não sabes, fica sabendo: quem não trabuca não manduca. Mal entre a lua nova - e não tarda a hora que chegue às portinhas do céu - estás na idade de te conduzir por tua cabeça. Também já te lá cantam dezoito meses, e dezoito meses nada ladros, louvado seja o pai dos bichos. É olhar-te para as navalhas dos dentes e a boa saia de peluche. Uma beleza!
- Ih, ih, ih! - desata a Salta-Pocinhas a choramingar.
- Santa paciência! Teus irmãos por aí andam ganhando o pão, sabe Deus com que trabalhos! O Pé-Leve saiu um azougue de finura...
- É bom filho! Estava ontem a gineta a fazer-lhe um rasgadíssimo elogio - disse o pai velho, um raposão de rabo pelado, ao tempo que se espreguiçava entesando e voltando a entesar um longo e descarnadíssimo pernil.
- Pudera! Foi ele que bifou ao padre-prior o rico galo galaroz, crista de vermelhão e pernas de retrós. Comemos nós, comeu a gineta e, cem anos que eu viva, não me hei-de esquecer do fartote. Coitado, o Pé-Leve emancipou-se há já umas semanas. A ti, Salta-Pocinhas, guardamos-te mais tempo connosco, esperando que nos servisses de arrimo para o fim dos dias. É negócio arrumado, se tratares de ti, já nos damos por contentes. Pronto, deitaste bom corpo, arranja-te, arranja-te! Para baronesa não nasceste...
PP. A BNP informa que o depósito legal desta edição foi em 1949. No meu Liceu foi obrigatório ler A Casa Grande de Romarigães (confesso que não sei se fazia parte do programa... mas com as confusões da Revolução não se leu Os Lusíadas "porque cantavam o colonialismo" [sic] segundo a professora desse ano...). A importância de se ser bom ou mau professor!
«Quem não trabuca não manduca»! Vou aproveitar a dica para reler o livro.
ResponderEliminarM.
Uma das coisas boas do PROSIMETRON é ressuscitar-nos da memória,ou de imediato ou por associação,"amores esquecidos".Vieram-me à ideia,neste caso,três:
ResponderEliminar1- no início de "A Casa Grande de Romarigães" a versão aquiliniana do nascimento da floresta;
2- o final de "Directa" de Nuno de Bragança;
3- o camiliano início de "Cenas Contemporâneas" que agarra o leitor
inexoravelmente. É assim: "Os meus amigos decerto não sabem o que é caçar coelhos na neve ?"
São, quanto a mim, páginas "enormes" da literatura portuguesa.
Obrigado pelo seu post.
Não sei, mas vou aproveitar para reler as «Cenas contemporâneas».
ResponderEliminar«A Casa Grande de Romarigães» é um romance fantástico, um dos maiores do século XX. Há que temos que não o leio, mas releio muitas vezes os livros memorialistas de Aquilino.
Aquilino e Camilo são dois dos meus amores. E não foi por acaso que o primeiro escreveu uma biografia romanceada do segundo...
M.
Fui ver o meu Romance da raposa, exactamente esta edição que me foi oferecida em 1958. Folheei-o vezes sem conta, antes de o ler, e depois de mo lerem, devido às ilustrações.
ResponderEliminarM.
"Os meus amigos decerto não sabem o que é caçar coelhos na neve ?"
ResponderEliminar...
Vamos ler, vamos reler...