sábado, 21 de novembro de 2009

A.S.: Escolhas Pessoais VII

David Mourão-Ferreira

Ensaísta notável, contista e romancista, tradutor escrupuloso, David Mourão-Ferreira (1927-1996) é conhecido, sobretudo, como poeta do amor (…não há dúvida, Amor, que te não fujo / e que, por ti, tão cego, surdo e sujo, / tenho vivido eternamente preso!), amor físico, mas também mental:

HAI-KAI
Nós temos cinco sentidos:
São dois pares e meio de asas.

- Como quereis o equilíbrio
?


A sua poesia estrutura-se, para lá de uma vertente clássica cultural e de um erotismo estético muito trabalhado, numa matriz tradicional que não consegue dissimular, de todo, uma raiz religiosa nem sempre negada. Isto é visível, não só, mas também, em vários poemas sobre o Natal (Cancioneiro de Natal, 1972) que escreveu e que são dos mais belos da língua portuguesa (Ah como se alongava a província Natal/ com distritos de luz dentro do Novo Ano/ Vinha já de mais longe um perfume lunar/ Começava em Novembro a « toilette» dos Anjos…).
A musicalidade dos seus versos ( Tu vens de terras de Holanda, / mas tens a carne morena./ E em vez da serena, branda/ postura que o Norte manda, / teu corpo se desordena/ à carícia, por mais branda…) , a luminosidade mediterrânica , que incorpora toda uma herança greco-latina a que se acrescenta sempre o sinal da modernidade; e uma consciência muito aguda da presença do tempo, em luta constante com a morte – tudo isto são factores constantes na poesia de David Mourão-Ferreira.

Dele escolhi:

LADAINHA DOS PÓSTUMOS NATAIS

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que se veja à mesa o meu lugar vazio

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que hão-de me lembrar de modo menos nítido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que só uma voz me evoque a sós consigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que não viva já ninguém meu conhecido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem vivo esteja um verso deste livro

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que terei o Nada a sós comigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem o Natal terá qualquer sentido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que o Nada retome a cor do infinito


[P.S.: Com agradecimentos a Pedro Chorão e a António d’Almeida Mattos.]
Post de Alberto Soares (a quem o Prosimetron agradece a colaboração que tem dado).

11 comentários:

  1. Gosto do David e gostei do seu post.
    Obrigada!

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  2. E, já agora, prosimetronistas, o que vamos fazer este Dezembro?

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  3. Gostei do seu texto, como já havia gostsdo do anterior. Julgo que o expressei. Se calhar de uma forma um pouco enfática, mas às vezes, a beleza bate à porta quando precisamos dela e foi a maneira de agradecer.

    Gosto muito de David Mourão-Ferreira e desta sua ladainha.
    Desculpe a extensão do comentário.

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  4. MR,
    Podem contar comigo para o que se decidir fazer.

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  5. Cuidado com os sem abrigo...vide LB
    (e apenas estou a citar HMJ)...

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  6. Adorava ir à Rússia mas já vou a Paris, o dinheiro não dá para tudo!

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  7. Jad,
    Mauzinho convida só nas últimas... Será a malícia masculina?
    :) risos.

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  8. Vamos à Rússia, com uma escala em Perm...

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  9. A São Petersburgo, apesar do frio e sem escala em Perm.

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  10. A viagem à Russia está em marcha. Partimos a 19 de Dezembro e voltamos a 6 de Janeiro! Air-France, via Paris. Vamos fugir ao Natal em família.
    Neste momento já somos três!

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