domingo, 1 de novembro de 2009

G. Donizetti: o Bel Canto ao serviço da História

“En ma fin gît mon commencement... - In my end is my beginning..." – as célebres palavras, proferidas por Maria Stuart, não perderam o seu fascínio desde o dia 8 de Fevereiro de 1587, data em que a soberana escocesa foi decapitada em Fotheringhay por ordem da sua prima Isabel I. “ In my end is my beginning” simboliza, na perspectiva dos admiradores de Maria, a essência do destino desta figura emblemática: Mary, Queen of Scots, prevalece como mártir em prol da fé católica, e como vítima da constante rivalidade com a corte de Londres. A dicotomia entre o bem e o mal parece inquestionável.
A História, bem mais objectiva e menos benevolente, relativiza a aura em volta da rainha. Desnecessário referir o papel, no mínimo duvidoso, que Mary desempenhou no homicídio de Darnley, seu segundo marido, levado a cabo por Bothwell, seu terceiro marido.

Criminosa ou inocente, ambiciosa ou humilde: independentemente dos atributos com que queiramos identificar Maria Stuart, é também inquestionável o interesse que a nossa protagonista despertou na literatura desde o final do século XVI. “Stuarta Tragoedia” de Adrian de Roulers (1593), o drama “Maria Stuarda” da autoria de Tommaso Campanella (1598), “The Abott” de Walter Scott (1820), o romance biográfico (e imperdível) “Maria Stuart” de Stephan Zweig (1935) e, obviamente, a peça literária chave de Friedrich von Schiller de 1800 que serviria de ponto de partida para a ópera de Donizetti.

Pioneiro na tradução para o italiano da obra de Schiller, pouco conhecida na península itálica do século XIX, foi Pompeo Ferrario: do seu trabalho, concluído em Milão em 1819, constam La Sposa di Messina, La Pulcella d’Orléans, e, Maria Stuarda. Contudo, a tradução “decisiva” viria a efectuar-se apenas entre 1842 e 1852, quando Andrea Maffei transpôs os grandes dramas do autor alemão para o italiano. Verdi e Donizetti começaram então a basear-se neste compêndio traduzido para iniciar a composição das suas óperas, inspiradas em Schiller.


O libretto para Maria Stuarda ficou a cargo de Giuseppe Bardari, um jovem de 17 anos, amigo de Donizetti e estudante de Direito. Na verdade, o encanto dos juristas pela ópera parece intemporal … Bardari, confrontado com a complexidade da trama, reduz significativamente o número de personagens: compositor e libretista dispensam assim da intervenção de Mortimer, herói incansável na defesa da sua amada heroína, bem como de Melvil, sacerdote imprescindível no terceiro acto de Schiller. Outras figuras sofrem uma abordagem diferente, quando comparada com a da obra literária: Leicester, carácter ambíguo e nebulosamente dividido entre os interesses de Isabel e Maria na narrativa de Schiller, actua inequivocamente a favor da protagonista escocesa segundo a dupla musical. Aliás, todos os intervenientes da ópera italiana, à excepção de Cecil, intercedem incondicionalmente por Stuart. Não obstante os “cortes” e as “adulterações” cometidos, deparamo-nos com um libretto equilibrado – equilibrado na medida em que Isabel é também retratada como soberana, digna de respeito e consideração, e não exclusivamente como opositora impiedosa.
(Cont.)

Fonte: Ópera de Zurique

2 comentários:

  1. Bela evocação do "destino operático" de Mary, Queen of Scots.Há muitos anos, depois de ler o romance biográfico que lhe dedicou Zweig,pensei em refazer o circuito escocês da vida dela. É sonho ainda não abandonado.

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  2. Belíssimo post. Já tinha saudades destes posts!
    Lembrou-me que tenho que procurar a versão de Campanella, pois, " A Cidade do Sol" maravilhou-me.
    Obrigada Filipe pela beleza!
    Ana

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