segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Para quê?


Do filme Singin’ in the Rain (Serenata à Chuva), 1952

Para quê falar em Nero e Messalina?
Para quê saber de cor a Geografia?
Onde fica a Arábia, a Europa e a China
se a chuva cai durante todo o dia?

E que importam o mar, o rio, os barcos?
Que importa o livro que se tem p'ra ler?
Que importa a guerra dos fortes e fracos
se afinal não mais pára de chover?

Que importa o sábio mais a descoberta?
Que importa a gente que passa na rua?
Que importa a sentinela sempre alerta
Se todo o dia a chuva continua?!

António Rebordão Navarro
in: A condição reflexa. Lisboa: Imp. Nac.-Casa da Moeda, 1989, p. 24

Há muito tempo que não pegava neste livro. Tenho estado a reler alguns poemas, ao som de Bruckner. Um amigo pô-lo a tocar ontem. Melhor: ante-ontem.

6 comentários:

  1. Um belo libelo contra a chuva!
    Mas ainda bem que ela apareceu finalmente. Há meses, surgiu um livro de reputadas climatologistas portuguesas que garantiam que daqui a umas décadas Lisboa vai ter um clima como o de Rabat. Sinceramente, prefiro o ciclo das estações tal como o ainda vamos tendo.

    ResponderEliminar
  2. Anda por aqui o fantasma do Pessoa.
    Perdoe-se-me a falta de rigor,porque vou citar de cor:
    "Ai que prazer não cumprir um dever
    ter um livro para ler
    e não o fazer..."

    ResponderEliminar
  3. APS,
    Bem visto! E aqui fica o poema de Pessoa, cujo final também é muito citado:

    LIBERDADE

    Ai que prazer
    não cumprir um dever.
    Ter um livro para ler
    e não o fazer!
    Ler é maçada,
    estudar é nada.
    O sol doira sem literatura.
    O rio corre bem ou mal,
    sem edição original.
    E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal
    como tem tempo, não tem pressa...

    Livros são papéis pintados com tinta.
    Estudar é uma coisa em que está indistinta
    A distinção entre nada e coisa nenhuma.

    Quanto melhor é quando há bruma.
    Esperar por D. Sebastião,
    Quer venha ou não!

    Grande é a poesia, a bondade e as danças...
    Mas o melhor do mundo são as crianças,
    Flores, música, o luar, e o sol que peca
    Só quando, em vez de criar, seca.

    E mais do que isto
    É Jesus Cristo,
    Que não sabia nada de finanças,
    Nem consta que tivesse biblioteca...

    Fernando Pessoa

    ResponderEliminar
  4. "Esperar por D.Sebastião, quer venha ou não!" - Nem mais.

    ResponderEliminar