sábado, 9 de janeiro de 2010

João Cabral de Melo Neto recordado

Uma Faca só lâmina
ou
Serventia de idéias fixas

para Vinícius de Moraes

Assim como uma bala
enterrada no corpo,
fazendo mais espesso
um dos lados do morto;

assim como uma bala
do chumbo mais pesado,
no músculo de um homem
pesando-o mais de um lado

qual bala que tivesse
um vivo mecanismo,
bala que possuísse
um coração ativo

igual ao de um relógio
sumerso em algum corpo,
ao de um relógio vivo
e também revoltoso,

relógio que tivesse
o gume de uma faca
e toda a impiedade
de lâmina azulada;

assim como uma faca
que sem bolso ou bainha
se transformasse em parte
de vossa anatomia;

qual uma faca íntima
ou faca de uso interno,
habitando num corpo
como o próprio esqueleto

de um homem que o tivesse,
e sempre, doloroso,
de homem que se ferisse
contra seus próprios ossos.

João Cabral de Melo Neto
( Recife, 9.1.1920 -Rio de Janeiro, 9.10.1999)

Um dos maiores poetas de língua portugesa do séc. XX, autor de uma vasta obra, de que se recorda "Morte e Vida Severina", membro da Academia Pernambuca de Letras, onde nem na posse esteve presente,Prémio Rainha Sofia de Poesia Ibero - Americana, Prémio Camões.

3 comentários: