terça-feira, 5 de janeiro de 2010

«Os anos do Ramadão»

«Esse fantasma do declínio [do Império Americano] começou com o desaire vistoso da Guerra do Vietname. Mas como potência tinha dado a ideia de ser capaz de parar esse processo e dar-lhe a volta. Meteu-se mesmo noutras confusões, apesar dessa experiência dolorosa para o orgulho e hegemonia americanos. Quem concebeu e quem executou o ataque [11 de Setembro] quis marcar a ferro e fogo aquela potência, que considera responsável da humilhação de toda uma parte da Ásia islamizada. O mundo muçulmano tinha umas contas a ajustar com o imperialismo ocidental. Começou com os ingleses, mas acabou com os seus herdeiros americanos. Depois da II Guerra Mundial, os Estados Unidos acharam que tinham direito a exercer a sua potência sobre tudo o que tem petróleo neste mundo. Como o Médio Oriente é um dos centros do petróleo meteram-se por ali. Deste ponto de vista, o que aconteceu não era assim tão imprevisível.»

«Desde que Napoleão chegou a Constantinopla, que se tornou chique fazer uma viagem ao Próximo Oriente. Grandes se aventuraram, desde o nosso Eça de Queirós. Descobriu-se um pouco de uma grande nação islâmica, a Turquia. Houve uma moda que se reflectiu na própria arquitectura, com neo-arabescos. Via-se em alguns romances que se editavam. Mas não se procuraram os autores islâmicos, á excepção de um ou outro clássico. Havia um grande desconhecimento. Agora deu-se uma espécie de redescoberta. Um turco que ganha o Prémio Nobel, antes dele um egípcio. O Nobel é um prémio europeu, que a ser atribuído a pessoas desses países faz com que entrem na cultura universal. Mas o desconhecimento deve-se atribuir sobretudo à barreira da língua.»

Fragmentos de uma entrevista de Eduardo Lourenço dada a Manuel Halpern (JL, Lisboa, 30 Dez. 2009)

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