Retrato de Drummond de Andrade, por Portinari
Carlos Flávio Drummond de Andrade (1902-1987) é conhecido, sobretudo, como um dos grandes poetas brasileiros do séc. XX, mas foi também um contista notável - “Contos de Aprendiz”- e autor de crónicas memoráveis.
Homem, aparentemente, simples, mas de grande sabedoria poética (“Não faças versos sobre acontecimentos […] Penetra fundamente no reino das palavras”), autor de poemas de grande dramatismo expressivo (“A morte do Leiteiro”, “Caso do Vestido” e “Desaparecimento de Luísa Porto”) que alternam, inesperados, com versos de intenso humor negro:
A SANTA
Sem nariz e fazia milagres.
Levávamos alimentos esmolas
Deixávamos tudo na porta
Petrificados.
Por que Deus é horrendo em seu amor?
Os seus contos, de saboroso humor minimalista, articulam de uma forma analítica o espanto provinciano (Itabira, onde nasceu) perante a ”perfeição” citadina (Belo Horizonte, para onde foi estudar) – vista pelos olhos de uma criança -, por exemplo em “O Sorvete”; ou dão lugar aos sentimentos infantis, extremados, na sua pureza original (“Salvação da Alma”). Mas a seriedade do tom destas pequenas narrativas, com o seu inesperado final, faz lembrar um menino sisudo, educado e compenetrado dos seus deveres (e não esqueçamos que Drummond foi um eficiente e cumpridor funcionário público …) que, quando menos se espera faz uma malandrice… Este humor, por vezes ácido, é também uma herança do “modernismo brasileiro” que Manuel Bandeira, por exemplo, conservou até ao fim.
Carlos Drummond de Andrade foi também um tradutor exemplar de autores franceses: Laclos, Moliére, Balzac, Proust e Mauriac. E Lorca. Os seus versos que, às vezes, parecem excessivamente prosaicos, têm uma musicalidade muito própria e chegaram (algumas composições) a ser musicadas por Vila-Lobos: “Viagem de Família” e “Cantiga do Viúvo”.
A preocupação social, a solidão (“Nesta cidade do Rio, / de dois milhões de habitantes, / estou sozinho no quarto, / estou sozinho na América…”) e o amor, quer na sua fase inicial - mais optimista -, quer na final, com notas mais dramáticas (“Deus me deu um amor no tempo da madureza, / quando os frutos ou não são colhidos ou sabem a verme…”), para lá dum cristianismo discreto, mas muito presente, são temas estruturantes na sua obra. Lapidarmente, Otto Maria Carpeaux disse que a obra poética de Drummond era um “acordo raro de certa ingenuidade rústica com a mais rigorosa disciplina intelectual.”Desenho de A. Rodin
De Carlos Drummond de Andrade escolhi:
O QUARTO EM DESORDEM
Na curva perigosa dos cinquenta
Derrapei neste amor. Que dor! que pétala
Sensível e secreta me atormenta
E me provoca à síntese da flor
Que não sabe como é feita: amor,
Na quinta essência da palavra, e mudo
De natural silêncio já não cabe
em tanto gesto de colher e amar
a nuvem que de ambígua se dilui
nesse objecto mais vago do que nuvem
e mais defeso, corpo! corpo, corpo,
verdade tão final, sede tão vária,
e esse cavalo solto pela cama,
Post de Alberto Soares.
A.S.
ResponderEliminarBelíssimo o "Quarto em Desordem" e este desenho de Rodin.
Parabéns!
ResponderEliminarJuntar Drummond, Rodin e Portinari no mesmo post... Adoro os dois primeiros.
Até me esqueci de lhe dizer o quanto gostei deste post.
ResponderEliminarHá muitos admiradores, neste blogue, de Drummond de Andrade e de Rodin.
Eu também gosto de Portinari e não conhecia este retrato de Drummond. Nem sei se alguma vez o tinha visto tão jovem.
Um bom exemplo como a mestria na escultura faz esquecer, injustamente, outras expressões plásticas não menos tridimensionais no que transmitem.
ResponderEliminarMuito obrigado por este momento tão completo, pré-prandial! :)