sábado, 6 de março de 2010

A Queda...uns anos depois.

Petr Vorel, Albert Camus

Li A Queda quando tinha os meus dezoito anos. Já lá vai muito tempo. Na altura, lembro-me que havia gostado por ter achado Camus um libertino. Hoje, a ideia é bem diferente. Continuo a gostar do livro, entre os que li, um dos melhores do autor. Porém, já não o acho libertino, pelo contrário, acho-o um homem maduro que vê a realidade crua e nua, que entende bem a dimensão humana. Um homem desesperado devido à possibilidade de morte permanente, quase nihilista (percepção que tenho) ou mesmo nihilista, graças a Nietzsche por quem fora influenciado. A Queda é mesmo o que o título indica: o declínio do homem. Denoto, nesta minha segunda leitura, amargura e uma certa diletância. Nunca li os seus estudos sobre Santo Agostinho, o que lamento, talvez quando tiver tempo o faça.
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"Que me diz? Não acha? a mais bela das paisagens negativas! Veja à esquerda, aquele monte de cinzas, a que chamam aqui duna, o dique cinzento à direita, o areal lívido a nossos pés, e à nossa frente, o mar cor de lexívia muito aguada, o vasto céu onde se reflectem as águas pálidas. Um inferno mole, de verdade! Nada mais que linhas horizontais, nenhum brilho, o espaço é incolor, a vida morta. Não será a anulação universal, o nada sensível aos nossos olhos? Nenhum ser humano, sobretudo, nenhum ser humano. O senhor e eu apenas, ante o planeta enfim deserto! Vive o céu? Tem razão, caro amigo. Adensa-se, depois aprofunda-se, abre-se em escadarias de ar, fecha portas de nuvens. São as pombas. (...)"
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Albert Camus, A Queda, Lisboa: Edição Livros do Brasil, sd, p 111.
Apontamento escolhi o texto menos polémico porque este livro é duro de roer.

2 comentários:

  1. Não me parece que seja justo aplicar a Albert Camus a classificação de libertino. É evidente que ele teve uma vida amorosa um pouco errática. Mas isso não chega. Na literatura francesa, o melhor exemplo será,sem dúvida, Roger Vailland. À nossa medida (pequenina)o libertino de serviço era o Luiz Pacheco - aliás, uma personalidade curiosíssima.
    Quanto ao livro "A Queda" continuo a considerá-lo o melhor de A. Camus, muito embora a leitura vagarosa (propositada) que estou a fazer do "Le premier homme" me cimentem a ideia de que é um diamante em bruto - não tinha sido ainda lapidado, totalmente, pelo autor. D'"A Queda", o cerne da questâo - se bem me lembro - é um homem justo (um juiz) a lidar com um sentimento de culpa irremediável.
    Espero ter dado uma ajuda. E bom (re-)proveito, Ana!

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  2. Obrigada APS,
    Ele procura ser justo o "juizo final" é todos os dias como Camus refere.
    Classifiquei-o de libertino quando o li aos 18 anos, agora não.
    E, é um grande livro, diz todas as verdades.
    Também li Roger Vailland e tem razão.

    "O Primeiro Homem", não li tenho que ver se o arranjo.
    :)

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