Óleo s/madeira de carvalho,89,5x122 cm Stedelijk Museum De Lakenhal, Leyden.
"A opacidade da morte
(...) Para o homem vulgar (para cada um de nós também, quase sempre) a vida resolve-se numa presença em, num ser o mundo que existe como por si mesmo, sem pensar-se que é através de nós, daquilo que somos. E porque a vida é assim, se resolve assim na contrafacção de eternidade, nessa fácil imitação de uma presença divina, nesse inconsciente e ilusório modo de ser-se quotidianamente um deus – por isso, a morte não tem ainda senão um significado de vida: uma presença de nós para lá dela, essa presença que nos inventamos agora, enquanto vivos, como memória, nela, da vida, como é em nós memória, agora, tudo aquilo que já perdemos – a infância, a juventude. Mas a morte é algo absurdo, porque é o nada inimaginável, a impensável destruição do absoluto que conhecemos na irredutível e necessária pessoa eu somos. Pobres palavras vãs: um «nada» imaginamo-lo sempre como algo que é… Mas o nada é a desaparição de nós próprios, a anulação desta evidência que é a pessoa que está em nós, o puro vazio deste quid único, desta realidade que há em nós e nos assusta, porque é terrivelmente viva e verdadeira. A massa de tudo o que nos habita não é um aglomerado de coisas que se dispersem e fiquem como ficam as pedras de um muro que se desmorona: é a totalização de nós próprios incrível individualidade, fulgurante presença, acto puro de ser, absurda necessidade de estar vivo, que é como se fosse maior que nós e nos dominasse e nos vivesse – essa flagrante evidência que nos assusta quando nos olhamos a um espelho (…)"
Vergílio Ferreira, Carta ao Futuro, Lisboa: Bertrand, 1981, p. 62-64.
Como é que deveremos ver este texto de Vergílio Ferreira?
Um especial agradecimento a Margarida Elias que me fez procurar e ir à descoberta.
Não é essa a questão. É o conceito. Senão tudo é natureza morta.
ResponderEliminarRepare que na chamada natureza morta não aparece um cadáver de coelho, ou de lebre, ou um outro. A aplicação do "Vanitas" ao cadáver humano tem outra origem. Se tiver paciência farei, um dia, um post.
Aguardarei, obrigada.
ResponderEliminarEu julgo que nem tudo são naturezas mortas, mas penso que a definição é mais abrangente que os objectos inanimados.
ResponderEliminarCitando Calabrese (1993): «según la observación de Gombrich, para quien cada naturaleza muerta es una vanitas en potencia». O mesmo autor refere os subgéneros da natureza morta: «vanitas», ilusão de óptica, «coin de buro», natureza morta de flores e frutos, natureza morta de livros, bodegón, natureza morta científica, etc.
Já me perdi - disse um homem do povo.
ResponderEliminarVanitas vanitatum omnia vanitas...
ResponderEliminarMargarida Elias,
ResponderEliminarMuito Obrigada!
Caro Anónimo,
ResponderEliminarDesculpe se não fui clara. Por vezes para se criar um ponto de vista recorremos a textos, como fiz com este.
Pode não ter sido o caminho mais directo mas o que quis foi lançar o desafio: será que a morte algo de absoluto como também refere Vergílio Ferreira faz dos nossos ossos uma natureza morta? Ou será que o facto de deixarmos memória nos distancia do conceito de natureza morta?
Não tenho conhecimentos especializados, ando a aprender e já ganhei com os comentários aqui colocados.
Às vezes, queremos desafiar a ordem, ou seja o que está estabelecido, claro, como discussão pode ser útil ou não!
Obrigada pela sua intervenção.
A discussão por discussão não me interessa!
ResponderEliminarJad,
ResponderEliminarA discussão faz chegar a algum lado, pressuponho, e como não sou especialista em arte não posso estar a produzir conceitos, estou a abrir portas.
Pelo seu primeiro comentário julgo que entendeu a minha ideia.
Tenho humildade.
O Luís colocou um post sobre humildade magnífico sobre o qual tenho reflectido.
Tenho que ter a humildade de quem não é especialista.
Posso no entanto, ter a minha ideia e visão. Para mim a eternidade do homem é uma ideia a pensar, tal como as questões que coloquei ao caro anónimo.
Respeito a opinião de cada um. Ontem (quinta-feira) vi um filme (que confesso não me interessou, nem me lembro do nome do filme, só procurando...) em que a companheira dizia para o rapaz que vivia com ela... discute, tu nunca discutes, nunca te ouvi discutir... ele tentou, mas não lhe estava na massa do sangue. Assim estou eu. Não gosto de discutir. Gosto muito do meu silêncio.
ResponderEliminarA discussão nunca faz chegar a nenhum lado. A análise, sim.
Eu pessoalmente já aprendi algo que foi meditar sobre o conceito de natureza morta, tanto através das palavras de Ana, como de Jad. O assunto interessa-me e vou pesquisar...
ResponderEliminarAtitude salutar. Pesquisar, aprender e formar opinião.
ResponderEliminar