sexta-feira, 14 de maio de 2010

Amigo a que Vieste? Pedro Tamen (Amizade o que é?)

As Cartas a Lucílio de Séneca levaram-me a reflectir sobre a amizade. Amizade é um sentimento complexo e se calhar recheado de relativismo. Devia ser um sentimento objectivo, claro e simples, sem lugares comuns tal como Séneca o transmitiu. Não banalizo a palavra amigo mas confesso que não entendo bem esta afirmação:
"Delibera em comum com o teu amigo mas começa por formular sobre ele um juízo correcto: após o início da amizade, há que ter confiança. Antes, sim, é que se deve ajuizar."
Como é que é possível ajuizar a priori sobre um amigo, se a amizade se vai construindo e à medida da sua construção é que se conhece o outro?
Gostava que me ajudassem a descodificar a mensagem.
Perante este problema lembrei-me do poema: Amigo a que vieste? de Pedro Tamen que de algum modo está ligado à minha dúvida. Não o tinha, por isso, o recolhi do site indicado no link.
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Luigi Deleidi, Donizetti e amici , 1840

Olio su tela cm 68x49 - Bergamo, museo donizettiano - da sinistra l'oste Bettinelli, Gaetano Donizetti, Dolci, Simone Mayr in piedi l'autore Deleidi

Amigo, a que Vieste? Onde foste ao bater das quatro horas e, antes, quem eras tu, se eras? Amigo ou inimigo, posso falar-te agora sentado à minha frente e com os ombros vergados ao peso da caneta? Falo-te sobre a cabeça baixa e vejo para além de ti, no horizonte, teus riscos e passadas; mas não sei onde foste, nem se eras. Olho-te ao fundo, sob o sol e a chuva, fazendo gestos largos ou só um leve aceno; dizes palavras antigas, de antes das quatro horas, e nada sei de ti que tu me digas dessa cabeça surda. Não te pergunto pela verdade, que pensas de amanhã ou se já leste Goethe; sequer se amaste ou amas misteriosamente uma mulher, um peixe, uma papoila. Não quero essa mudez de condolências a mim, a ti, ou só à terra que tu e eu pisamos — e comemos. Pergunto simplesmente se tu eras, quem eras, e onde foste depois que se fizeram quatro horas. Será que não tens olhos? Não tos vejo. De longe em longe agitas a cabeça, mas talvez seja engano. Palavra, não te entendo. Amigo, a que vieste? Pedro Tamen, in "Horácio e Coriáceo" Retirado daqui

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