quinta-feira, 6 de maio de 2010

Segredos de um gastrónomo


- Diga-nos, João Marim, ao convidar amigos para almoçar ou jantar, como elabora a ementa da refeição que lhes vai oferecer?
- A minha opinião, neste campo, é bastante pessoa. Eu começo por escolher os vinhos e, depois, destino os pratos que melhor se adaptem às bebidas que ofereço.
- Para si, então, o vinho desempenha um papel de primordial importância na culinária?
- Evidentemente! O essencial da cozinha é o vinho, não só o que acompanha a refeição mas também aquele com que é confeccionada.
- Que vinhos prefere?
- Todos têm a sua indicação, tanto o branco como o tinto, o Porto ou o Madeira. No entanto, para a cozinha portuguesa está mais indicado o acompanhamento com vinho tinto. Veja, por exemplo, que é esse o vinho que deve ser servido com as sardinhas assadas, o bacalhau e mesmo com a dobrada à moda do porto, prato este que aliás é cozinhado com vinho branco.
- A cozinha portuguesa tem, realmente, interesse e individualidade?
- Sem dúvida alguma! Tenho uma predilecção pela cozinha regional da nossa terra. Que saborosos são os bifes no tacho, bem temperados com alho; as lulas e os chocos bebés cozinhados com azeite, alho, louro e vinho branco; não falando nas mil e uma variedades de preparar o bacalhau, nas receitas de lampreia, nas tripas, no leitão, nos doces regionais do Algarve… […]
- Que qualidades deve ter uma boa refeição para que agrade a um verdadeiro conhecedor, a um autêntico gastrónomo?
- Primeiro, ser bem confeccionada e temperada. Depois, ter uma boa apresentação, ser servida juntamente com um bom vinho e comida em boa companhia. […]
In: Banquete, Lisboa, Maio 1960, p. 6

Para o APS, este excerto de uma entrevista com 50 anos.

4 comentários:

  1. Obrigado, MR, gostei imenso de ler o texto da entrevista. E lembro-me, lindamente, da revista embora,em questões culinárias, seja HMJ quem tem os saberes (e sabores). Dei-me conta que, no post "melros e hortulanas" me esquecera da lampreia desse "tal" restaurante que iniciava a "saison" em Fevereiro/Março (arroz ou à bordalesa). Lá em casa,no entanto, é a HMJ que primeiro decide o "Conduto"-
    quando há visitas- e só depois eu penso nos vinhos que hão-de acompanhar.A menos que tenha um vinho excepcional e nesse caso faz-se o contrário. Bem haja,MR.

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  2. Achei graça, porque nunca tinha lido nada em que se partisse do vinho para escolher os comes. Sim, a não ser que se tenha um vinho excepcional.
    E a Banquete se ainda se publicasse teria festejado o seu 50.º aniversário em Março.
    Não gosto de lampreia, da textura do bicho. Mas gostava do arroz, estilo cabidela...

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  3. Gostei do post e como, aliás, já é notório,aprecio uma grande parte da actividade editorial ligada à culinária, designadamente a mais antiga. A recente alimenta-se, com frequência, dos tratados antigos sem os citar.
    Quanto ao "saber" de culinária que APS atribui a HMJ, é preciso dar o seu a seu dono. Tive, ainda, o privilégio de, entre outras matérias consideradas mais elevadas, frequentar, durante dois anos, aulas de economia doméstica e culinária. Adquiri, portanto, uma formação básica para orientar uma parte essencial da vida humana, a sua alimentação, para momentos de abundância - festas - a vida quotidiana e o aproveitamento com imaginação. Tudo o que foi relegado nas últimas décadas e, porventura, faria tanta falta em épocas de crise.
    Ganhei, ainda, um saber estrutural de olhar para um prato confeccionado e imaginar como se poderá reconstituir, em casa. Em primeiro lugar experimenta-se, como é óbvio, em ambiente caseiro e só depois em dia de visitas.
    Foi assim que comemos uma vez, em Mértola, um borrego à pastor, se não me engano na Casa Amarela com vista para o rio.
    É, portanto, o Borrego ensopado que actualmente comemos em casa. E parece com proveito.

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  4. HMJ,
    Já me chegaram aos ouvidos outras apreciações elogiosas.
    E acho fantástico uma pessoa comer um prato ou um bolo e conseguir reconstituí-lo. Conheço outra pessoa que também o fazia.
    Eu gosto de cozinhar, mas só coisas simples.

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