terça-feira, 1 de junho de 2010

Ferreira Gullar, Prémio Camões 2010

Ferreira Gullar, pseudónio de José Ribamar Ferreira, nasceu em 10 de Setembro de 1930 em S. Luís do Maranhão. Em 1949 publica, em edição de autor, o seu primeiro livro de poemas "Um pouco acima do chão". Começa aí a sua longa caminhada de poeta, escritor, ensaista, crítico, tradutor,radialista, jornalista, dramaturgo, também com colaboração no cinema e na televisão.
Engajado politicamente, foi preso durante a ditadura militar e teve de exilar-se. Foi premiado em 1950, com o seu poema "O galo", em concurso do Jornal de Letras e recebeu os prémios Saci e Moliére em tradução e teatro e o prémio Jabuti em 2007, pelo melhor livro do ano "Resmungos". Foi indicado por professores universitários dos EUA, Brasil e Portugal para o Prémio Nobel em 2002. Foi-lhe atribuído o Prémio Camões 2010, pelo júri que integrou Elena Buescu, José Carlos Seabra Pereira, Inocência Mata (escritora santomense), Luis Carlos Patraquim (poeta e jornalista moçambicano) e os brasileiros António Carlos Secchin e Edla van Steen.

João Boa Morte
Cabra Marcado para Morrer

Essa guerra do Nordeste
não mata quem é doutor.
Não mata dono de engenho,
só mata cabra da peste,
só mata o trabalhador.
O dono de engenho engorda,
vira logo senador.

Não faz um ano que os homens
que trabalham na fazenda
do Coronel Benedito
tiveram com ele atrito
devido ao preço da venda.
O preço do ano passado
já era baixo e no entanto
o coronel não quis dar
o novo preço ajustado.

João e seus companheiros
não gostaram da proeza:
se o novo preço não dava
para garantir a mesa,
aceitar preço mais baixo
já era muita fraqueza.
"Não vamos voltar atrás.
Precisamos de dinheiro.
Se o coronel não quer dar mais,
vendemos nosso produto
para outro fazendeiro.

"Com o coronel foram ter.
Mas quando comunicaram
que a outro iam vender
o cereal que plantaram,
o coronel respondeu:
"Ainda está pra nascer
um cabra pra fazer isso.
Aquele que se atrever
pode rezar, vai morrer,
vai tomar chá de sumiço".

1962

5 comentários:

  1. Parabéns! Fico contente; gosto de Ferreira Gullar, de quem já postei poemas no Prosimetron.

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  2. Chá de sumiço- expressão magnífica.

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  3. Merecidamente!

    Vamos rever só um pedacinho do Poema Sujo, só por esse, já merecia...
    "...pelo Brasil salve salve,
    Stalingrado resiste.
    A cada nova manhã
    nas janelas nas esquinas nas manchetes dos jornais
    Mas a poesia não existia ainda.
    Plantas. Bichos, Cheiros. Roupas.
    Olhos. Braços. Seios. Bocas.
    Vidraça verde, jasmim.
    Bicicleta no domingo.
    Papagaios de papel.
    Retreta na praça.
    Luto.
    Homem morto no mercado
    sangue humano nos legumes.
    Mundo sem voz, coisa opaca.
    Nem Bilac nem Raimundo. Tuba de alto clangor, lira singela?
    Nem tuba nem lira grega. Soube depois: fala humana, voz de
    gente, barulho escuro do corpo, intercortado de relâmpagos
    Do corpo. Mas que é o corpo?..."

    Obrigada pelo poste.

    ;)

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