Recente visita a Portugal de conhecido caudilho, este ainda assim com a sensatez de não invocar a Graça de Deus, conjugadamente com o também recente processo sucessório da dinastia republicana norte-coreana, lembrou-me uma historieta sobre o culto de personalidade, a afectar paragens em que, à partida, dir-se-ia ter diluído o indivíduo num vasto mural colectivo.
Um tio meu, escassos meses após o 25 de Abril, integrou uma delegação que visitou a União Soviética, deslocando-se a inúmeras cidades e contabilizando visitas a “municípios”, sedes partidárias, kolkhozes, fábricas, etc.
Contou-me esse meu tio que, em cada cidade a que chegavam, a primeira informação que recebiam era sobre o número de vezes e a data em que o camarada Lenine tinha visitado a referida localidade. De tanto se repetir, esta prática como que passou a ser tão natural como receber os votos de boas-vindas.
Eis que, chegados a certa cidade, por exemplo X, começou o apparatchik local a narrar os feitos alcançados pelo socialismo, omitindo o registo de eventuais visitas leninianas (dir-se-á assim?).
No período de perguntas e respostas, timidamente, levantou-se uma voz portuguesa e indagou: “Desculpe, mas podia-me esclarecer quantas vezes veio o camarada Lenine a X?”. Resposta do local, com um ar desolado: “Infelizmente nenhuma...”, para depois, com ar mais satisfeito, consolado terminar “mas telefonou!”.
Independentemente dos projectos e das acções, dos efeitos que estas tiveram, a dimensão histórica de V. I. Lenine nada tem que ver com a dos caudilhos de hoje, sejam os de leste, como os de oeste, isto face ao nosso eurocêntrico ponto de vista.
Deixo uma gravação que encontrei, ao que parece colocada no Youtube por um lusófono bastante devoto das realizações soviéticas. Mas lá que a música é bonita, não haja dúvida!
Viva!, os nossos prosimetronistas estão de volta.
ResponderEliminar«mas telefonou!»
ResponderEliminarNão deixa de haver um certo romantismo heróico na música e imagens destes ideais, a que a prática fez perder toda a "inocência"...
ResponderEliminarE não estou seguro que Putin seja melhor que Lenine. Descontando a caixa de Pandora aberta por Gorbachov, não creio que o homem "comum da terra" da Rússia, de hoje, esteja melhor que o ruano da U.R.S.S..
Quem é vivo sempre aparece... ou telefona! :)
ResponderEliminarSim, há toda uma estética que atrai e repele, simultaneamente. Comigo (se calhar por ter vivido pouco aqueles tempos), passa-se um pouco o mesmo com a liturgia do Estado Novo. Tenho a noção do artificialismo de tudo, mas, com mil raios, dá um pouco de inveja ver que havia uma ideia (com todos os erros e vícios da dita). Seriam mais felizes, os sacerdotes e crentes destes cultos?
Putin: Pois... Estive lá, aqui há 4 anos. E lembro-me da tensão entre a verdade "oficial" e as amostras que tive por via do tradutor que nos acompanhava.
Mas que post tão heterodoxo! :)
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