terça-feira, 5 de outubro de 2010

No Centenário - 1


A revolução republicana significou uma mudança de gerações na elite.Não significou uma maior participação da população. Sob o domínio do Partido Republicano, houve menos eleitores e menos votantes do que antes de 1910. Nos cadernos eleitorais da república, em relação à monarquia, diminuíram os trabalhadores manuais. De resto, pouco mudou. Para quem queria contactar a administração, continuaram a ser precisos empenhos e favores junto de uma elite de homens instruídos e da classe média. A polícia tratou sempre a população mais pobre com brutalidade. Às mulheres, o regime negou sempre qualquer estatuto político.
A I República, sem sufrágio universal, sem eleições justas e sem rotação pacífica no poder, não faz parte da linhagem da atual democracia. Também não foi equivalente ao Estado Novo, por lhe faltar uma ideologia de rutura com o liberalismo e uma máquina de repressão legal ao mesmo nível. Na década de 1920, afastado Afonso Costa, os novos líderes do Partido Republicano, como António Maria da Silva, permitiram-se uma maior tolerância, embora sem abrirem mão do poder. Mas na conjuntura do pós-guerra, com a emergência do comunismo e do fascismo e uma grande contenção financeira, que liquidou o investimento público, essa nova política não deu origem a uma "Regeneração" como a de 1851, mas à cisão final do Partido Republicano, abrindo a porta à Ditadura Militar (1926-1933).
Para essa transição, contou o ambiente de guerra civil gerado pelo domínio exclusivista e arbitrário do Partido Republicano, que tornou aceitável a repressão e o uso da violência contra adversários políticos. Contou também o modo como o domínio radical pôs em causa, pelas reações que provocou, a hegemonia política e cultural da esquerda que vinha do século XIX. Foi sob a república que emergiu uma nova cultura de nacionalismo tradicionalista, que não existia com significado antes de 1910, e que constituiria o oxigénio intelectual do salazarismo. A República não " justifica " o Estado Novo, mas explica-o.


Estes são os 3 últimos parágrafos do notável ( não exagero no adjectivo) ensaio de quase 3 páginas que Rui Ramos, que nem sequer é monárquico, escreveu no Expresso intitulado A Iª República como objeto histórico
.
Para mim, mesmo deixando de parte as minhas simpatias políticas, é muito bom ver alguém que contraria a "cartilha" ensinada durante décadas, e ainda foi o meu caso no ensino secundário em meados dos anos 80, de que a Iª República teria sido praticamente uma era de "vinho e rosas" infelizmente sufocada pelos militares reaccionários que entregaram o poder posteriormente a Salazar. A verdade histórica, como Rui Ramos bem demonstra, é muito mais complexa do que isso. Mas fico à espera que alguém faça a contradita: que venha dizer e demonstrar que Rui Ramos mente, omite ou exagera.
Se bem que, como viram e ouviram nos últimos tempos, até o Prof.Rosas já tem um discurso mais matizado...

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