sábado, 25 de dezembro de 2010

«Contarelos» de Irene Lisboa


Lisboa: Sá da Costa, 1926

«Está esquecida esta grande escritora da resistência que se chamou Irene Lisboa e tem chamado a atenção de um crítico ou outro das nossas letras, mas que não há meio de vir a primeiro plano, como tem direito.
«Natural da Murguinheira, perto da Arruda dos Vinhos, nasceu em 1892, filha de um magistrado que ascenderia a juiz do Supremo Tribunal de Justiça; mas nascera fora da legalidade e o complexo não mais a deixaria. Professora primária, o seu talento de escritora manifestava-se desde o livro de estreia, revestia-se da capa de um livro para crianças, mas os «13 contarelos» são bem obra para adultos e dão-nos a garra e o talento narrativo de Irene Lisboa. Publicados em 1926, tinha a autora 34 anos. Não é bem ainda aquela prosa firme, sentida, com laivos de mágoa a ressumar, que virá em Um dia e outro dia, Outono havias de vir, mas os encantos de Lisboa, uma espécie de saudosismo de quem nasceu quando era publicado o Só, mostram-se nesse voluminho que parece para os miúdos e prende os adutos.
«Título simples, desprendido, quase familiar, numa parceria que o era na vida também, já que Irene Lisboa ficaria presa a Ilda Moreira até ao final da sua vida. Reza o título «13 contarelos que IRENE escreveu e Ilda ilustrou para a gente nova».
«É um voluminho de 178 páginas, as últimas das quais não numeradas e que foi composto e impresso, segundo reza o cólofon «na tipografia da Escola Normal de Lisboa»., mostrando-nos que a autora ficara sempre presa à escola onde se formara. E nos mostra também o apetrechamento desta, em 1926. Anos depois, essa mesma escola formadora de professores seria encerrada durante vários amos, como se o País não precisasse de professores. Recorria-se às regentes escolares, algumas das quais mal saberiam «ler, escrever e contar», quanto na filosofia de Salazar bastava ao comum dos cidadãos.
«Irene Lisboa, na poesia, na prosa, no ensaio pedagógico, marcava lugar de destaque. Por isso mesmo passaria a ocultar-se, sob dois pseudónimos: o de João de Falco, na literatura, e o de Manuel Soares, no sector da pedagogia. Colaboradora da Seara Nova, da Presença e de O Diabo, seria o bastante para recear represálias. E João Falco que apareceria com frequência na Seara Nova subscrevia livros como Um dia e outro dia, Outono havias de vir, Solidão, Começa uma vida e Folhas volantes.
«Mais contos viriam com Lisboa e quem cá vive e Esta cidade, um e outro farrapos ou momentos de vida arrancados à cidade, à sua luz e ao seu sentir humano.
«Mas a ensaísta e a pedagoga subscrevia Froebel e Montessori, O primeiro ensino e A iniciação ao cálculo.
«13 contarelos é o livro de estreia. Mas o que atingiu mais alto e mais revela os processos de Irene Lisboa e a sua arte de nos narrar a vida, suas alegrias momentâneas, as decepções e amargos de boca, é talvez Uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma.
«Escritora esquecida das novas gerações, morreu em 1958. Literariamente bem merecia ser lembrada por qualquer editor.»
Raúl Rêgo
In: Diário Popular, Lisboa, 19 Fev. 1981, supl. Letras e Artes, p. I

Entretanto, a Imprensa Nacional e a Presença editaram algumas obras de Irene Lisboa que nasceu no dia de Natal, há 112 anos.

Para c.a. e a sua Casa Improvável.

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