Quase todos os meus colegas universitários concordam que muitos dos seus estudantes não são capazes de seguir uma exposição, de levar a termo uma tarefa que envolva um certo desafio ou de acompanhar um raciocínio ao longo de mais de dez minutos. Outros não são capazes de ordenar cronologicamente acontecimentos históricos importantes, por exemplo de dizer se Maomé vem mais ou menos 600 anos depois ou antes de Cristo.
Durante muito tempo pensei que estas e outras lacunas resultassem da má qualidade do ensino secundário. Mais recentemente, apercebi-me de que, pelo contrário, têm origem noutra fase da aprendizagem, anterior, que é a escola primária.
Antes de entrarem para a escola, numa altura em que passam a maior parte do tempo com os pais, as crianças pequenas prestam atenção às coisas, ouvem o que lhes dizem, acompanham fascinadas as histórias que lhes contam.
Ao fim de uns tempos na escola mudam. Se lhes dissermos alguma coisa, se lhes dermos um livro ou um brinquedo, não nos prestam atenção. Fazem-nos uma pergunta mas voltam-nos costas antes de ouvir a resposta. Na televisão continuam a fazer zapping entre canais. Não é falta de interesse, é falta de capacidade de concentração, porque quando estão com os outros, a brincar, habituaram-se a passar, contínua e caoticamente, de uma actividade para outra e ninguém os ensina a estar atentos ou os repreende por não estarem. Desta maneira ninguém lhes exige que aprendam a arrumar no tempo nem os eventos históricos nem os da sua própria vida. Já noutros campos isto não acontece - por exemplo no desporto. No futebol, na esgrima, no ténis, se nos distrairmos toda a gente protesta, os companheiros de equipa e os adversários. Além disso, os adeptos do desporto recordam-se com toda a clareza da progressão dos campeonatos.
Na escola, pelo contrário, espalhou-se a ideia de que não se deve repreender ninguém, de que não se deve corrigir, através de exercícios muitas vezes repetidos, uma tendência errada.
Muitos pedagogos e muitos psicólogos pensam que se repreendermos ou corrigirmos uma criança estamos a criar uma frustração grave ou a bloquear a sua liberdade criativa. E os pais agravam a situação pondo-se do lado dos filhos e contra os professores. O resultado é que muitos não chegam a aprender a concentrar-se, a aplicar-se, a levar um raciocínio complexo até ao fim.
É também por esta razão que há tanto desemprego. Como as empresas têm de enfrentar a falta de preparação dos jovens e a sua falta de capacidade de raciocinar, acabam por só se atrever a contratar os engenheiros que parecem mais bem preparados e empenhados.
Francesco Alberoni
In: I, Lisboa, 7 Dez. 2010, p. 1
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