Coimbra, Museu Nacional Machado de Castro
Errare humanum est
Errare humanum est
O ser humano pode errar, mas muitas vezes erra involuntariamente. Por vezes até é induzido a errar. Acredita e aceita, como boa, a informação prestada por um Museu, por um livro, pela internet.
Tem corrido, na última década, a imagem reproduzida neste post como sendo as "Armas de D. Manuel como rei de Portugal e príncipe dos demais reinos da Hispânia". Tenho combatido, tanto quanto posso, a não propagação do erro. Mas, quando a origem do erro é a ilustração de uma História (1), ou de um Museu, passa de erro a verdade incontestada, cuja veracidade poucos ousam interrogar. Ontem tive de voltar ao mesmo assunto.
As armas em questão, dado terem a adorná-la duas “speras” remetem, efectivamente, o observador para o reinado de D. Manuel I, mais concretamente para os anos de 1497-98, 1501-1517. Não é um “brasão” mas sim dois, justapostos, que se encontram representados: no lado esquerdo, do observador, as armas de Portugal; no lado direito, as armas de Castela e de Aragão. Trata-se, pois, do "escudo" de armas de duas (das três) rainhas que casaram com D. Manuel: as de D. Isabel (se a peça que adornam for do século XV) ou as de D. Maria (se a peça for do século XVI). Mas acredito mais que sejam do século XVI. D. Isabel mal teve tempo para aquecer o seu lugar em Portugal (apenas aqui passou cinco meses, como casada com D. Manuel). Poderia ainda ser, em última instância, a representação heráldica do casal... mas nunca as armas de D. Manuel I como Rei de Portugal e como príncipe de Castela [apenas, dado que nunca chegou a ser jurado como príncipe herdeiro de Aragão], apenas o seu filho o foi.
Nota(1) História de Portugal, direcção de José Matoso, Vol. III, coord. de Romero de Magalhães, Lisboa, Círculo de Leitores / Estampa, 1993, p. 580.
Tem corrido, na última década, a imagem reproduzida neste post como sendo as "Armas de D. Manuel como rei de Portugal e príncipe dos demais reinos da Hispânia". Tenho combatido, tanto quanto posso, a não propagação do erro. Mas, quando a origem do erro é a ilustração de uma História (1), ou de um Museu, passa de erro a verdade incontestada, cuja veracidade poucos ousam interrogar. Ontem tive de voltar ao mesmo assunto.
As armas em questão, dado terem a adorná-la duas “speras” remetem, efectivamente, o observador para o reinado de D. Manuel I, mais concretamente para os anos de 1497-98, 1501-1517. Não é um “brasão” mas sim dois, justapostos, que se encontram representados: no lado esquerdo, do observador, as armas de Portugal; no lado direito, as armas de Castela e de Aragão. Trata-se, pois, do "escudo" de armas de duas (das três) rainhas que casaram com D. Manuel: as de D. Isabel (se a peça que adornam for do século XV) ou as de D. Maria (se a peça for do século XVI). Mas acredito mais que sejam do século XVI. D. Isabel mal teve tempo para aquecer o seu lugar em Portugal (apenas aqui passou cinco meses, como casada com D. Manuel). Poderia ainda ser, em última instância, a representação heráldica do casal... mas nunca as armas de D. Manuel I como Rei de Portugal e como príncipe de Castela [apenas, dado que nunca chegou a ser jurado como príncipe herdeiro de Aragão], apenas o seu filho o foi.
Nota(1) História de Portugal, direcção de José Matoso, Vol. III, coord. de Romero de Magalhães, Lisboa, Círculo de Leitores / Estampa, 1993, p. 580.
Armas de D. Maria no Livro da nobreza e perfeiçam das armas de António Godinho (começado antes, ou no ano, de 1517).
Obrigado pelo fundamentado esclarecimento.
ResponderEliminarMuito elucidativo.
ResponderEliminarE os catálogos das bibliotecas que estão cheios de erros?! A maioria das pessoas copiam as informações sem olhar para os livros... Enfim!
MR,
ResponderEliminarLamentável é que as pessoas que trabalham em museus e bibliotecas elucidem a maioria das pessoas dessa maneira.
O tempo do seu trabalho é dedicado à procura.
Poderá dizer-me que a dúvida metódica terá que estar sempre presente. Concordo. Todavia, se em cadeia precisamos da informação, a idoneidade da instituição em causa devia fornecer esse serviço!
O que as bibliotecas, os arquivos e os museus devem fornecer são as descrições das espécies bem feitas, e disponibilizar a informação aos investigadores. Estes, na maioria das vezes, querem a papa feita e não conferem nada, nem lêem os documentos, nem olham para os quadros, etc. Copiam. E depois copiam mal.
ResponderEliminarMR,
ResponderEliminarO cidadão comum, interessado, curioso, questionador do que o rodeia ou o interessa, nem sempre tem a possibilidade - tempo - para ir às fontes.
Os investigadores, estou a pensar na pessoa ligada à História de Portugal referenciada, tem tido ao longo da sua carreira a premissa de encontrar, com a objectividade possível, a verdade possível.
Como no comentário anterior diz "Os [sic] investigadores [sic], estou a pensar na pessoa ligada à História de Portugal referenciada, tem tido ao longo da sua carreira a premissa de encontrar, com a objectividade possível, a verdade possível"... E então a pergunta fica: porque é que continuou a propagar o erro?. É o que MR, julgo eu, quiz dizer. Muitos dos investigadores pensam pouco e copiam muito.
ResponderEliminarE um dia destes faço um post para dizer porque escrevi "spera"... "spera mundi"... não é o tal ph... do "adágio" do outro outro....
ResponderEliminarAtenção, para não haver intriga e para que fique claro: julgo que o erro não é do coordenador do vol. da referida História de Portugal. É um bom investigador e bastante honesto. O erro tem outra origem. Mas vezes também escapam erros as coordenadores e aos revisores... Errare humanum est. E eu que o diga!
ResponderEliminarEu só pergunto: os investigadores (embora cidadãos comuns não o são aqui, nesta conversa) são obrigados a sê-lo?
ResponderEliminarPara que não restem dúvidas sobre a oportunidade de ter colocado este post. Ele resultou de umas provas de doutoramento. O erro estava lá... e as fontes do erro também...
ResponderEliminarCircula neste momento no mercado um livro que tem o mesmo erro na capa [as fontes do erro nessa capa são só o Museu; e a autora do livro argumentou com o mesmo "é assim que está no Museu"]! E de erro em erro hoje vamos passando a uma verdade. Quantos manuais escolares não estarão a "vender" o mesmo erro...
Jad,
ResponderEliminar" Errare humanum est" é uma premissa que todo o investigador e cientista deve(ou decveria) ter presente na sua vida. Dar a cara quando se erra julgo que é honesto.
Em ciência, e História não é uma ciência, tudo tem que ser equacionado, parte-se de um pressuposto à procura da sua antítese para se chegar a uma conclusão plausível.
Não se deve perpetuar o erro e quem sabe disso tem que dar essa informação.
Gostei deste seu post, aprendi. Não queria aborrecer ninguém, defendo apenas que se deve por se saber, gritar aos quatro ventos a verdade que se conhece documentalmente.
A palavra intriga não faz sentido porque não é esse o objectivo de quem lê.
ResponderEliminarHistória é uma Ciência.
ResponderEliminarJad,
ResponderEliminarA História para mim, é uma ciência social e humana, não é ciência no sentido em que a partir da observação e da experiência se pode determinar o resultado.
Pode-se observar as fontes de determinados parâmetros mas não se pode ter a certeza absoluta que o narrador da fonte original o fez com isenção.
Se tiver duas fontes, um exemplo, uma que é a favor do que se está a estudar e outra contra. Retira o sensacionalismo ou vai inquirir sobre a fonte, certo? Mas tem a certeza absoluta de qual é a certa?
Esta é a ideia de uma pessoa que estuda.
A História é, de facto, uma ciência sobretudo para os investigadores que, partindo de "vestígios" e autores credíveis - não confundir com qualquer referência electrónica ou outra - assume a liberdade de espírito e de pensamento para se colocar ao serviço da Humanidade
ResponderEliminarHMJ: onde se lê assume, deve ler-se assumem.
ResponderEliminarSucede que tem havido uma dificuldade enorma na colocação de comentários. Sabe-se lá o motivo !
Não queria ter voltado aqui... mas já que vi...
ResponderEliminarPara um HISTORIADOR não existem fontes a favor e fontes contra um facto. O facto é um facto. Tem de se apurar sempre, sempre, qual é a mais verdadeira e a que corresponde à verdade. O HISTORIADOR não pode construir a História pelos seus gostos, nem pelas suas opiniões. É essa a diferença entre os bons e os maus historiadores, aqueles que se voltam a ler, com proveito, passados 100 anos e aqueles que, passada a moda, foram parar ao caixote do lixo. Mas os licenciados em História gostam logo de se chamar de Historiadores e existe muito DOUTOR em História que é especialista num assunto e um santo ignorante e inculto no resto... e que nunca devia de utilizar o adjectivo de Historiador.
De facto, há erros. António Godinho apresenta o brasão em causa como sendo o exclusivo da rainha D. Maria. Não é totalmente correcto. De facto, no livro do Armeiro-mor, atribuído a 1509, as mesmas armas vêm represantadas com a a seguinte legenda: "ElRei dom manuel e a Rajnha sua molher" (p. 52, ed. Inapa). As da rainha, propriamente ditas, apresentam-se em escudo em lisonja. Também são representadas, nesta fonte heráldica, as armas conjuntas de D. João II e D. Leonor e, à parte, as de D. Leonor, em escudo em forma de lisonja. Ou seja, e de acordo com esta fonte credível, estamos perante a representação conjunta das armas heráldicas de cada monarca. No caso, as de D. Manuel, à direita, e as de D. maria, à sinistra.
ResponderEliminarJad,
ResponderEliminarProvavelmente não me exprimi da melhor maneira quando me referia a fontes contra ou a favor. O que queria dizer era que há vários tipos de fontes, panegíricos, sátiras, etc. ... para não me alongar. É óbvio que tem que se olhar a fonte com isençao e tirar dela o que é credível.
Mais uma vez faz juízos de valor.
Há historiadores que não leio por causa disso que diz, por transmitirem as suas opiniões.
A fonte é fundamental tal como a isenção, tal como a seriedade e a honestidade.
Nunca, mas mesmo nunca, achei que um licencado em História fosse um historiador, ou um estudante de mestrado ou doutoramento o fosse também.
Penso que entende quando digo que não é uma ciência no sentido das ciências experimentais. Mas eu esqueci-me que devo referir tudo desenvolvidamente porque Jad não me conhece.
HMJ,
A História é uma Ciência humana sem possibilidade laboratorial, era isto que eu queria dizer.
Quanto à referência electrónica já existem muitos artigos em pdf de historiadores para partilha de informação. Nas Universidades americanas e inglesas, e nas brasileiras também, há no entanto, que ler com as cautelas que em tudo se deve ter.
Agradeço o comentário anónimo das 00.45. Como escrevi no post:"Poderia ainda ser, em última instância, a representação heráldica do casal... mas nunca as armas de D. Manuel I como Rei de Portugal e como príncipe de Castela [apenas, dado que nunca chegou a ser jurado como príncipe herdeiro de Aragão], apenas o seu filho o foi". Conheço também o livro do armeiro mor mas como o comentador sabe as armas em lisonja, salvo melhor opinião, dizem respeito a viúvas e a solteiras.
ResponderEliminarPara serem do casal cada escudo deve estar separado...
Mas, mesmo que seja do casal (caso tenha a separação) não são as armas de D. Manuel como Rei e príncipe!
Sim, do casal; como lá está e em 1509, lisonja, comos e prova, não era de viúvas, porque uma delas, aquela de que se fala, não o era... Mas porque difere tão substancialmente o Armeiro-mor de Godinho? Guerras de palácio e heráldica ?
ResponderEliminarEsqueci-me que não posso comentar os seus posts nem demonstrar as minhas ideias porque nunca as toma como sérias. Nem como discussões salutares.
ResponderEliminarMantive o silêncio durante muito tempo, embora às vezes me apetecesse comentar.
Tudo começou porque respondi a MR, concordando com ela. Deveria ter ficado por esse comentário.
Aliás, gostei imenso da introdução deste post onde não existe sobranceria.
Vou só colocar umas questões quando pratica a sua ciência, não a vê com os seus olhos? Isto é, quando faz ciência parte da tábua rasa ou já tem um conjunto de ideias -"sombras da caverna" - e que têm que ver com as suas opções?
ResponderEliminarQuando fala de Salazar consegue distanciar-se e dizer o que ele fez de positivo, para além do que fez de negativo? (Pese-se que não sou saudosista e nunca simpatizei com Salazar)...
Estou aqui a colocar estas questões porque não tenho outro espaço para o fazer.
Respondendo ao comentador anónimo das 01:17.
ResponderEliminarVeja a História Genealógica da Casa Real, de D. António Caetano de Sousa (ed. 1947), selo 85 (selo de D. Catarina, mulher de D. João III) e tb. da mesma o selo 86, em que em ambos se segue o modelo de Godinho. E veja agora o selo 77 (selo de D. Leonor, como viúva de D. Manuel e antes do seu segundo casamento em França, esta agora em lisonja). Deixo um :)... mas eu nada sei de heráldica; sou apenas um aprendiz, e modesto.
Respondendo ao comentário da Ana.
ResponderEliminarJuro que parto sempre de tábua rasa! Até tive a sorte de não ter apresentado plano para o meu principal trabalho (não apresentei porque estava dispensado por lei). Assim, parti sempre, até hoje, da tábua rasa. E por isso fico dias e dias a olhar para cada página do que vou escrevendo e reescrevendo (no que diz respeito a outros trabalhos). Gosto, adoro, descobrir. Faço história como fiz os trabalhos de laboratório quando andava a estudar as outras Ciências... as da física e as da química, quando ainda não queria ir para estas outras ciências. Mas o rigor e o cuidado ao juntar cada elemento da composição é o mesmo, para não cegar (na química para não me rebentar a experiência na mão, como uma vez aconteceu ao colocar enxofre a mais num cadimo).
E todos os comentários são bem vindos. A Ana e qualquer outra pessoa, até os anónimos, são bem vindos. Até porque sou o primeiro a reconhecer que "Errare humanum est" e eu também erro! Por vezes não me rebenta é o cadimo na mão... por isso não me arrisco a ficar sem o braço. Mas posso ficar sem a cabeça... :)
ResponderEliminarJad, fico à espera que explique por que escreveu "spera". É que pensei que era gralha. :-)
ResponderEliminarMuito interessantes as observações referidas por JAD em relação às armas heráldicas das rainhas "espanholas" de após o segundo quartel de Quinhentos, segundo as representa D. António Caetano de Sousa. Tendo presente que há representações de armas heráldicas recompostas e retocadas, em relação à verdade dos selos originais que as inspiram, nesta fonte...
ResponderEliminarTodavia, há que reconhecer os tempos de sucesso para Godinho, cuja obra, no que mantém e no que altera em relação às suas fontes e à tradição que encontrou, quiçá, testemunhará uma heráldica "mobile", que se foi afirmando entre (re)composições e representações ao sabor de circunstâncias e de visões (pessoais) da história.
As fontes históricas, sobretudo neste domínio do texto que é imagem simbólica, têm muito de construção ideológica.
Mas, e esta é a questão que mais importará ao historiador, deveremos admitir que se verificou uma progressiva, senão hegemónica, "castelhanização" da heráldica portuguesa real, nos modelos e nos fundamentos, ao longo do século XVI?