1 de Junho de 1968
[...] este último número da Seara Nova insere vários depoimentos sobre Bento de Jesus Caraça [...]. [...] tocou-me sobretudo [o] do Chico Keil por incidir nas férias que esse homem fora de s~éie passou em Canas de Senhorim [...].
Conta o Chico:
«Outros bons amigos - o Manuel Mendes e o José Gomes Ferreira ali acorriam também - todos com planos de trabalho para aproveitar bem o tempo livre de obrigações. Mas ninguém conseguia ir além dumas primeiras tentativas. Logo a lazeira (abbençoada lazeira) tomava conta de nós e gastávamos os dias em ocupações absurdas, infantis e deliciosas. Duma feita resolvemos inventar um pudim colectivo; doutra, uns jogos de nomes e de cartas, em que a própria fantasia perdeu as estribeiras; doutra, uma dança incrível - "o tango linear, ou no arame". Por vezes íamos ao grilos...
- Deixem vir o Lopes Graça (o Graça chegava mais tarde), que ele mete-nos o ripanço nos eixos - dizia o José Gomes Ferreira. - O Graça é um trabalhador implacável, imune aos eflúvios entorpecentes...
Mas o maestro chegava e logo a alzeira o vencia também. Em vez de músicas compunha sopas...»
Não se de propósito - para tirar certos efeitos de humor (o que, aliás, consegue - em cheio) o Chico funde dois estios num só.
A verdade - se vale a pena invocar a verdade nestas trapalhadas da memória - é que o Caraça e o Graça nunca se encontraram em Canas. Por lá andaram à caça dos grilos em anos diferentes.
Eu é que fui o comum dos dois.
No ano-Caraça aconteceu a grande invenção do pudim em que me destaquei na destreza de partir ovos - apertando-os como quem tocava buzina. O resultado, após mil misturas e mistelas, foi um objecto arduamente comestível que, de tão bamboleante, recebeu o nome extraordinárias.
Durante as férias com o Lopes Graça sucederam ainda coisas mais extraordinárias. Instalámo-nos no velho palácio de Canas de Senhorim como numa ilha deserta e tratámos de alimentar da nossa imaginação de pelicanos.
Mascaradas constantes. Certa vez, por exemplo, decretámos que todos fazíamos anos no mesmo dia e festejámo-los com um banquete de filho pródigo. O que obrigou a Maria Keil, quase com leveza de dança, a descer às arcas da cave e de lá extrair esotéricos trajes, casacas, jóias e condecorações para ornamentar os convivas.
Noutra altura deu-nos a veneta para nos vestirmos de indianos. Exceptuava-se o Chico que, de fato colonial branco, medalhas e capacete de cortiça, interpretava o papel de Governador Inglês bronco e de ademanes suspeitos que apenas conhecia esta palavra mágica: Yes.
Os restantes - isto é: nós - de turbantes e exibições .exóticas falávamos indiano: Pi-to-pum-ta-ta-mi-do-frim-tsu... Exactamente. Indiano.
Pode-se calcular o espanto que empalideceu o médico e o farmacêutico da terra, quando, com as respectivas consortes, nos surpreenderam naquela figura de parvos.
Não tiveram outro remédio senão transformar-se em indianos. - Pi-to-pum-ta-ta-mi-do-frim-tsu...
O emgendramento de «o tango no arame» deu-se também nesse Verão de loucura mansa, quando «invadimos» uma festa de baptizado do Nobre das sucatas que tinha sido amante da A. R, (Autêntica aristocracia!).
Surgimos rotos, sujos e mal enroupados como pedintes e tomámos conta da festa. E então, num rasgo de inspiração úbita, a Maria e eu inventámos osdo «tango no arame».
O Lopes Graça, que bailarino insigne, deu-lhe os toques finais.
Pi-to-pum-ta-ta-mi-do-frim-tsu...
ResponderEliminarO que para mim é o mesmo que dizer: texto muito engraçado.
Hoje, com os computadores, as noites são muito, muito, diferentes.
Uma maravilha, estas memórias bem dispostas! Obrigado.
ResponderEliminarSou fã destes Dias comuns. E a leitura deste 5.º vol. anda adiada desde o Natal. :)
ResponderEliminarGostei desta sigla: A.R. :-)
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