Um terceiro sistema das Ordenações Manuelinas
Em 1995, quando se preparava a Exposição evocativa do Quinto Centenário da impressão da Vita Christi, descobriu-se e identificou-se fragmentos de um volume das chamadas Ordenações Manuelinas, até então desconhecida. Esses fragmentos estavam dentro de uma encadernação portuguesa do século XVI, que um alfarrabista americano retirara a um livro que restaurara para vender. A Memória não recordava já qual era o livro quando, em 1995, os restos da velha encadernação chegaram a Portugal. E a História do Direito Português modificou-se um pouco. Afinal Valentim Fernandes tinha impresso toda a edição das Ordenações. Pode-se depois provar, graças a exemplares localizados em Roma, que essa impressão tinha ocorrido em 1512. Passando agora, portanto, o Quinto Centenário do começo da impressão das chamadas Ordenações Manuelinas, naquele que ficou consagrado como o seu “primeiro sistema”.
A razão de se conhecer tão pouco sobre as "Ordenações velhas" de D. Manuel prende-se com o facto de D. Manuel, a 15 de Março de 1521, ter mandado destruir todos os exemplares da "velha impressão". Era o começo do texto impresso e não se tinha ainda compreendido o sistema de se autenticar a sua validade indicando a data e a edição. Com nova versão de uma lei destruía-se a versão anterior (impressa) evitando assim confusões sobre qual era a válida.
Contam, ou melhor contavam, alguns dos bons manuais de História [de Portugal e do Direito Português] que no reinado de D. Manuel vigoraram dois sistemas de Ordenações: o primeiro, de 1512-13 (teve uma reedição com correcções pontuais, em 1514) e o segundo sistema, de 1521 (com quatro edições e diferentes reimpressões de cada uma delas, entre 1521 e 1603). Em 1603 entrou em vigor um outro sistema, que ficou conhecido com o nome de Ordenações Filipinas, que esteve em vigor até 1822, em Portugal (e até mais tarde no Brasil). Pois é... o sistema jurídico do séc. XVII e XVIII português foi o promulgado por Filipe III (rei de 1598 a 1621). Mas essa é outra história.
Voltemos à história de Hoje.
Quando em 1521 D. Manuel mandou destruir todos os exemplares da velha impressão mandou destruir as fontes básicas da sua própria história. Durante muito tempo (e para muitos ainda hoje) só havia uma compilação (ou sistema) de Ordenações Manuelinas, as de 1521. E quando se diz (ou dizia até aos finais do século XX) que as Ordenações do senhor Rei D. Manuel legislavam, no livro II, título 3.º, que... só se citava as de 1521, aquelas que se ensinavam na Universidade. A partir de 1993 (e tudo tem uma data) passou a referir-se aos poucos, no que às Ordenações Manuelinas diz respeito, se se estava a indicar a primeira ou a segunda “versão”, “compilação” ou “sistema”, nome que vingou desde 2002.
Mas hoje, e aqui o hoje é mesmo hoje, a história passa a ter três sistemas de Ordenações Manuelinas.
Investigadora amiga tinha alertado que o miolo de uma encadernação de um livro na Biblioteca Nacional de Portugal era composto por texto impresso (como tinha acontecido no caso de 1995). E existem tantos e tantos miolos de encadernação assim. Aqui fica a foto histórica daquilo que era visível em 17 de Janeiro de 2012. A 19 de Janeiro era re-pedido o desmembramento e restauro das folhas que estavam coladas, a fazer de cartão.
Na quinta-feira, dia 2 de Fevereiro, foram vistos esses fragmentos já recuperados e reintegrados (para permitir a sua conservação). Pelas duas e dez da tarde, desse dia, um coração ficou a bater mais acelerado. A suspeita que o dono desse coração tinha tido (e que havia relatado na véspera) confirmava-se. Era qualquer coisa de novo. Observe-se um desses pedaços de papel agora salvo:
O que antes não tinha sido possível localizar era agora possível de verificar e confirmar. Era mesmo um pedaço de texto impresso das Ordenações. E um dos pedaços era concretamente “do segundo livro das Ordenações” no que dizia respeito ao título 3.º.
Não correspondia contudo o texto com o que estava impresso no “sistema” de 1512-13 nem com o que estava no “sistema” de 1521 e seguintes.
Era uma outra legislação já arrumada segundo o conceito que veio a vigorar a partir de 1521 (segundo se escrevia, mas a nova ordem, sabe-se agora, é anterior) mas com outro texto diferente.
A lei referida, no que diz respeito aos "donatos da Ordem de S. João" [hoje Malta], conseguiu-se datar como tendo sido produzida por carta régia de 30 de Outubro de 1516. Logo este novo sistema foi, forçosamente, impresso em data posterior. Mas não é credível que o tenha sido em 1520 (dado o outro ter saído do prelo a 11 de Março de 1521). A data da impressão deste novo sistema deve ter sido circa 1517-1518. O seu impressor foi Jacobo Cromberger, um impressor de Sevilha, que D. Manuel havia nobilitado com o título de cavaleiro... mas essa já é outra história.
Comparem-se os três sistemas agora conhecidos, todos no que diz respeito ao Livro II, título terceiro.
1.º Sistema das Ordenações Manuelinas (1512-1513) , livro II, t.º 3:
2.º Sistema das Ordenações Manuelinas (post. a 1516 e anterior 1521) , livro II, t.º 3:
A pedido de Luís Barata a História é contada aqui (volta a estar no ar)... Ver o "E a história repete-se [1]"
É, realmente, uma pena e tristeza, que almas nobres e queridas, muitas vezes, não nos possam acompanhar na alegria e partilha das nossas descobertas, posteriores.
ResponderEliminarPor outro lado, foi pena também, que o "Expresso" usasse de tanta usura e poupança, ao dar notícia desta descoberta importante, muito embora eu saiba que as coisas da Cultura, em Portugal, estão pela hora da morte...
Sempre dá mais "share" falar do sucateiro, do arrependido, e do Vara.
Como se esta notícia das "Ordenações" fosse menos importante que a babugem dos robalos ou a ferrugem da corrupção. Sic transit...
Uma descoberta muito interessante!
ResponderEliminarSó consultei as de 1521. Agora há uma nova perspectiva sobre a estrutura de um reino.
Porque é que D. Manuel terá mandado destruir todo o sistema compilado?
Compreendo o bater do coração. :)
Parabéns pelo achado!
Quanto valem uns olhos atentos e sensíveis!
ResponderEliminarFoi um achado importantíssimo!!
Com muita sorte à mistura, pois podia nunca ser descoberto...
Como é possível que se utilizem documentos como este em encadernações?!
Obrigado pela partilha. Espero a breve trecho uma conferência, e não de imprensa, sobre esta descoberta cuja importância jushistoriográfica não é demais salientar.
ResponderEliminarVi hoje, no Arpose, esta citação que vai aqui que nem uma luva:
ResponderEliminar«A sorte é uma questão de talento.» (Martin Scorsese)
:-)