sexta-feira, 9 de março de 2012

Depois de um passeio


Quando até a uma colina ou ao longo do mar
os dois saímos nas noites ligeiras
a passear,
vejo todos a soar
coisa fraterna a nossa aliança.
Nós cuja vida pouco tem de bonança
e tanta inusitada alacridade rende,
nada tem que se possa dizer que o vulgo ofende;
a todos perecemos tranquilos e bons
cidadãos, que apenas desejam um copo e cavaqueira.
Só no coração respondem estrídulos sons,
e ao vento se desfralda uma bandeira.

E nos dias de festa, não antevejo
que pareça estranho procurar o mais deserto dos subúrbios, que mais se eria em nós
do que dois a jantar a céu aberto?
Um marido que já ostenta um desejo
de liberdade, a sua mulher ciumenta;
é o que dizer a qualquer pessoa tenta
pois disso nada parece nos distinguir a nós,
a nós em quem cada coração reparte
dois diferentes destinos
de amor e de arte.

Umberto Saba
In: Poesia / trad. José Manuel de Vasconcelos. Lisboa: Assírio & Alvim, 2010, p. 105-107

Umberto Saba nasceu em Trieste a 9 de março de 1883.

2 comentários:

  1. Gosto muito da poesia de Umberto Saba, de quem apenas tenho um livro, porque me parece que não há mais em português. Foi um poeta que descobri no blogue Sobre o Risco.
    Um beijo e bom fim-de-semana

    ResponderEliminar
  2. Eu li-o melhor depois de ter visto uma exposição sobre Trieste de que gostei muito, já não me lembro onde (Barcelona?), mas falei dela aqui no blogue.

    ResponderEliminar