domingo, 18 de março de 2012

A partir de uma tela de Manet

Manet - Retrato de Mallarmé, 1867

Mallarmé olha para mim
e o medo une-nos -
tal como em segredo, no bule,
se depõe a tinta.
Os dedos confundem-se,
os termos bulem
e no soneto, como um penedo,
muda oca ecoa a Língua.
Será a de um louco
a placidez com que Manet o pinta?
Ou a chuva, apenas,
que a lua desfibra?
Não, nunca Manet assim reduziu o uno
sustendo os contornos, do corpo, que com sono
ainda nos fita.
Sê-lo o sou,
uma diferença que mal se distingue
ou uma presença, ausente,
que aqui se irregulariza...
Resta, longe, o fundo louro
ou aquém de tudo isto
a incerteza -
o que o sonho nunca deslinda...


Mallarmé morreu,
tal a tinta que no quadro
definha.

Inglória, a palavra ignora a norma -
da mesma forma que a vida
por dentro a ausência fita.

De repente, a paleta reduziu-se a um nó.
O cinzento que o sentimento impossibilita.

Oh, porque inocente Mallarmé escreveu só
tal como só Manet agora o pinta.

Entre cada um o oiro transmuta-se em pó,
mal o silêncio na Vida agoniza.

Incoerente, imprudente,
Mallarmé os dados jogou só
para que Manet, num glacis,
no destino o fine.

Fernando Guerreiro
(Colóquio. Letras, Lisboa, Maio 1982)

Mallarmé nasceu, em paris, a 18 de março de 1842.

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