sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Leituras no Metro - 120


Camilo Pessanha e a escrita chinesa

Camilo Pessanha profere uma conferência no Grémio Militar de Macau, em 28 de maio de 1910, a qual é relatada pelo jornal A Verdade (Macau, 2 jun. 1910):
«Mostrou como a língua chinesa falada, tendo-se conservado monossilábica, ao contrário de todas as outras, atingiu, não obstante, um grau de cultura suficiente para poder traduzir com precisão e clareza as mais complexas noções de ciência contemporânea, lucrando ainda, em se ter conservado monossilábica, o ser enriquecida com um elemento prosódico, os tons, que não tem correspondente em nenhuma outra e é de um alto valor oratório e poético; e como a escrita, tendo-se conservado fundamentalmente hieroglífica, quando a de todo o resto do mundo é fonética desde o tempo dos Fenícios, e constando de mais de duzentos mil caracteres, não só é relativamente fácil para a memória dos chineses, especialmente treinada na fixação dessas grafias, mas ainda deu origem a uma caligrafia que é verdadeira arte, realizando a beleza plástica e interpretando e comunicando emoções, - arte cuja existência, nós, os europeus, mal podemos compreender por ser incompatível com a nossa escritura fonética. […] Ocupando-se especialmente da estética, referiu-se ás brilhantes qualidades artísticas naturais da raça chinesa: a vivacidade de imaginação, a perspicácia de intuição do pitoresco, o equilibrado sentimento da composição, o enternecido amor da natureza. Mostrou, porém, como, não obstante esses dotes naturais, os chineses não conseguiram levantar o seu espírito até à noção de arte pura ou arte filosófica: a sua arte é apenas decorativa ou de aplicação. A sua escultura não é estátua: é ícone, ou alfaia, ou bibelot. A sua pintura é mera decoração mural.»

De uma conferência de Camilo Pessanha sobre literatura chinesa, relatada pelo próprio no jornal O Progresso (Macau, 21 mar. 1915):
«[…] natureza ideográfica dos caracteres e o seu consequente grande poder de evocação visual; o intrínseco valor estético desses caracteres – cada um dos quais é fundamentalmente um desenho  estilizado do mais puro gosto e do melhor efeito decorativo; e a euritmia musical da frase escrita, na sua transliteração prosódica, que, pela sábia valorização dos tons , é mais rica, mais expressiva e mais perfeita na literatura chinesa do que o de nenhuma métrica europeia, ao mesmo tempo que elemento essencial de toda a composição literária chinesa, seja qual for o género a que esta pertença.»
(Cit. por Daniel Pires in Camilo Pessanha - Correspondência, dedicatórias e outros textos. Lisboa: BNP; Campinas: Unicamp, 2012, p. 59, 66)

Algumas as peças de arte chinesa, da coleção que Camilo Pessanha ofereceu ao Estado português. Bem se podia fazer uma exposição dessa coleção que me parece estar disseminada por vários museus. Aliás, a aceitação dessa oferta foi cheia de vicissitudes. José de Figueiredo, na época diretor do MNAA, dizia que ela não tinha dignidade para integrar um museu nacional.
Vasos com tampas decorados a cinco cores. ca 1640, reinado Chongzhen, dinastia Ming
Prato em porcelana chinesa de exportação (Companhia das Índias), decorado em esmaltes da paleta Família Rosa, ca 1730, reinado Yongzhen, dinastia Qing

5 comentários:

  1. E ele não gostava de Macau. Gostava do ópio.
    Parece que também não era nada apreciado por lá. Hei-de ler esta correspondência.

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  2. Deve ser muito interessante. :)
    O post está muito bonito.

    A cerâmica chinesa é bonita.

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  3. Desprezavam-no mesmo. As opiniões dele não eram muito abonatórias sobre o território.
    Escolhi estes trechos porque achei interessante as opiniões dele sobre a escrita chinesa.

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  4. Ana, acho que uma parte desta coleção está no Museu Machado de Castro. Pelo menos, deu lá entrada.

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