Camilo Pessanha e a escrita chinesa
Camilo Pessanha profere uma conferência no Grémio Militar de
Macau, em 28 de maio de 1910, a qual é relatada pelo jornal A Verdade (Macau, 2
jun. 1910):
«Mostrou como a língua chinesa falada, tendo-se conservado
monossilábica, ao contrário de todas as outras, atingiu, não obstante, um grau
de cultura suficiente para poder traduzir com precisão e clareza as mais
complexas noções de ciência contemporânea, lucrando ainda, em se ter conservado
monossilábica, o ser enriquecida com um elemento prosódico, os tons, que não
tem correspondente em nenhuma outra e é de um alto valor oratório e poético; e
como a escrita, tendo-se conservado fundamentalmente hieroglífica, quando a de
todo o resto do mundo é fonética desde o tempo dos Fenícios, e constando de
mais de duzentos mil caracteres, não só é relativamente fácil para a memória
dos chineses, especialmente treinada na fixação dessas grafias, mas ainda deu
origem a uma caligrafia que é verdadeira arte, realizando a beleza plástica e
interpretando e comunicando emoções, - arte cuja existência, nós, os europeus,
mal podemos compreender por ser incompatível com a nossa escritura fonética. […]
Ocupando-se especialmente da estética, referiu-se ás brilhantes qualidades
artísticas naturais da raça chinesa: a vivacidade de imaginação, a perspicácia
de intuição do pitoresco, o equilibrado sentimento da composição, o enternecido
amor da natureza. Mostrou, porém, como, não obstante esses dotes naturais, os
chineses não conseguiram levantar o seu espírito até à noção de arte pura ou
arte filosófica: a sua arte é apenas decorativa ou de aplicação. A sua
escultura não é estátua: é ícone, ou alfaia, ou bibelot. A sua pintura é mera decoração mural.»
De uma conferência de Camilo Pessanha sobre literatura
chinesa, relatada pelo próprio no jornal O
Progresso (Macau, 21 mar. 1915):
«[…] natureza ideográfica dos caracteres e o seu consequente
grande poder de evocação visual; o intrínseco valor estético desses caracteres –
cada um dos quais é fundamentalmente um desenho
estilizado do mais puro gosto e do melhor efeito decorativo; e a
euritmia musical da frase escrita, na sua transliteração prosódica, que, pela
sábia valorização dos tons , é mais rica, mais expressiva e mais perfeita na
literatura chinesa do que o de nenhuma métrica europeia, ao mesmo tempo que
elemento essencial de toda a composição literária chinesa, seja qual for o
género a que esta pertença.»
(Cit. por Daniel
Pires in Camilo Pessanha - Correspondência,
dedicatórias e outros textos. Lisboa: BNP; Campinas: Unicamp, 2012, p. 59, 66)
Algumas as peças de arte chinesa, da coleção que Camilo Pessanha ofereceu ao Estado português. Bem se podia fazer uma exposição dessa coleção que me parece estar disseminada por vários museus. Aliás, a aceitação dessa oferta foi cheia de vicissitudes. José de Figueiredo, na época diretor do MNAA, dizia que ela não tinha dignidade para integrar um museu nacional.
Vasos com tampas decorados a cinco cores. ca 1640, reinado Chongzhen, dinastia Ming
Prato em porcelana chinesa de exportação (Companhia das Índias), decorado em esmaltes da paleta Família Rosa, ca 1730, reinado Yongzhen, dinastia Qing
E ele não gostava de Macau. Gostava do ópio.
ResponderEliminarParece que também não era nada apreciado por lá. Hei-de ler esta correspondência.
Deve ser muito interessante. :)
ResponderEliminarO post está muito bonito.
A cerâmica chinesa é bonita.
Bamos em frente
ResponderEliminarDesprezavam-no mesmo. As opiniões dele não eram muito abonatórias sobre o território.
ResponderEliminarEscolhi estes trechos porque achei interessante as opiniões dele sobre a escrita chinesa.
Ana, acho que uma parte desta coleção está no Museu Machado de Castro. Pelo menos, deu lá entrada.
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