[A escrita leva a outra escrita como a palavra puxa palavra. Leituras à procura do Verão.]
A casa é igual a muitas que por estes lados se encontram: um pequeno solar, de corpo central e duas alas, casa às vezes nobre, outras vezes de burguês enobrecido, rurais ambos, dependentes da terra e da renda, e por isso duros no trato negocial. Não será esse o caso. Esta casa é de poeta. Viveu aqui Teixeira de Pascoaes, debaixo daquelas telhas morreu. (...)
Há um lanço de escadas simples, vasos de flores, beirais marcados de musgo e líquenes. É óbvio que o viajante está intimidado. Bateu à porta, espera que venham abrir. «falha a viagem se não entro.» É que esta casa não é museu, não tem horas de abrir e fechar, mas sem dúvida há um deus dos viajantes bem-intencionados, é ele que diz: «Entre», e quando se apresenta não é deus nenhum, mas sim o pintor João Teixeira de Vasconcelos, sobrinho de Teixeira de Pascoaes, que abre as portas de uma casa toda ela preciosa romã e vai acompanhando o viajante até ao fundo do corredor. O viajante está no limiar da parte da casa onde Teixeira de Pascoaes passou os últimos anos de vida. Olha e mal se atreve a entrar. Casas, lugares onde vive ou viveu gente, tem visto muitas. Mas não a cava de um lobo manso. São três salas dispostas em fiada, o sítio de dormir e trabalhar, a biblioteca, chaminé ao fundo, dizer isto é o mesmo que nada dizer. porque as palavras não podem exprimir a indefinível cor de barro que tudo cobre ou de que tudo é feito, a não ser que a origem da cor ambiente seja a luz da manhã, assim como dirão que súbita comoção é esta que enche de lágrimas os olhos do viajante.
José Saramago, Viagem a Portugal. Lisboa: Caminho, 1995, p.51.
LIV
O Universo é um cérebro infinito povoado de inúmeras imagens...
somos imagens evocadas pelo Amor e pelo Ódio! Ígneas figuras que desaparecem num rasto imenso de estrelas... Vultos de espuma, flutuando num mar de lágrimas, com olhos abertos para o sol... Perfis de aço puído, a reluzir, onde a luz grita rasgada de lado a lado...
Somos imagens de névoa e ferro, porque vivemos e existimos.
Vivemos como névoa e existimos como ferro. A vida é existência volatilizada... um vapor de metais elevados à temperatura de Delírio...
Mas a vida arrefece; a névoa que pairava no Infinito volta a condensar-se, e é peso bruto - pedra e ferro...
Teixeira de Pascoaes, "o bailado" in Obras Completas de Teixeira de Pascoaes. Lisboa: Bertrand, 1973, Vol. VIII, Prosa II, p. 209.
O meu girassol em especial para o Luís.:)
Lindas fotos, Ana!
ResponderEliminarUm beijinho
Violetas lindas... a ilustrar esta visita emocionante à casa do POETA...
ResponderEliminarUm livro a ser vivido devagar como quem passeia, vai observando e fazendo companhia ao viajante...
Também tenho esta maravilha de livro e fui reler "A cava do lobo manso"...
Grata por mo recordar...
Ana, ainda não li esta obra de Saramago.
ResponderEliminarAcredito que seja para ler com calma e saborear...
A casa da Ana deve parecer um jardim!
O girassol lembra-me o Alentejo...
Um beijinho.:))
Bela postagem, muito apropriada nestes dias!
ResponderEliminarObrigado Ana!
ResponderEliminarO girassol é lindo.
ResponderEliminarIsabel,
ResponderEliminarObrigada. :)
Maria Manuela,
Este livro é da biblioteca municipal mas estou a gostar bastante. :)
Cláudia,
As violetas estão na cozinha. O girassol num vaso na rua. Plantei vários mas só este é que nasceu.
Obrigada.:)
Filipe,
Obrigada. :)
Luís,
De nada é a pessoa que conheço que gosta mais de girassóis. São flores alegres. :)
MR,
Obrigada. :)
Beijinho para todos.