sábado, 3 de agosto de 2013

Afrânio Peixoto e a doçaria portuguesa


«Onde, porém, Portugal me extasia, é na delícia da sobremesa... (Sempre tive a ideia que é falta de gosto não começar as refeições pelos doces... Não se chegaria ao resto... tanto melhor!). Os doces portugueses, como tanta coisa aqui, são os melhores ou mais gostosos do mundo. Um clássico arroz doce, uma aletria de Abrantes, uma marmelada de Odivelas, uma tigelinha de Santo Tirso, uns ovos moles de Aveiro, um doce-podre de Évora, umas arrufadas de Coimbra, umas queijadas de Sintra, ou da Periquita, umas cavacas de Caldas, ou de Felgueiras, um morgado, ou um Dom Rodrigo do Algarve, maçapão de Portalegre, morcelas de Arouca, amêndoas de Moncorvo, pastéis de feijão de Torres Vedras... – que sei?! – não posso esquecer. Minha alma pia perdoa às boas freiras dos conventos portugueses, que inventaram e aperfeiçoaram tanto doce bom, de nome às vezes religioso. E o pão-de-ló? Felgueiras, Ovar, Fafe, Braga, Alfeizerão, Vouzela... não me deixeis em pecado de ingratidão! Às vezes sensuais, mas sempre de bom gosto, tais nomes... «toucinho-do-céu», 'papos-de-anjo', «palha-de-abade», «barriga-de-freira», 'casadinhos', – considere-se na forma desse doce – «fatias-de-parida», «levanta-velhos»... Esse capítulo daria um livro delicioso, se escrito por um sociólogo ou geógrafo de bom paladar.»
Afrânio Peixoto 
In: Viagens na minha terra: Portugal. Lisboa; Porto: Livr. Lello & Irmão, 1938, vol. 1, p. 165

8 comentários:

  1. Donde mais uma vez se prova que a nossa gastronomia (e doçaria, particularmente) é das mais ricas e boas da Europa.
    Quanto ao pão-de-ló, há um pequeno erro "geográfico": em vez de dizer "de Felgueiras", Afrânio deveria ter dito - de Margaride.
    Bom fim-de-semana!

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  2. Reli há pouco tempo As Viagens na Minha Terra, dei mais valor à obra e foi mais enriquecedora esta segunda leitura.
    Boa noite. :))

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  3. Estas Viagens são outras, do Afrânio Peixoto.
    Quanto ao livro do Garrett, só gostei dele quando o li em 1999. Antes disso, quando o li no liceu, foi uma tortura. E depois volte a tentar e...
    Sou uma grande fã do Garrett.

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  4. Para MR:
    tenho muita pena que as "Viagens" de A. Garrett tenham saído do programa de ensino. E o "sermão" sobrevivente de A. Vieira não tardará a desaparecer. A primeira opção é "talhar" as obras em pedaços "comestíveis", provando, deste modo, uma indigestão programada ! Para mim, são duas obras fundamentais para ensinar a ler, pensar e escrever. Seria necessário dar tempo a docentes com vocação para prepararem as suas aulas condignamente, remetendo para o caixote do lixo a profusão de "manuais" abjectos.

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  5. Para MR:
    onde se lê "provando" deve ler-se: "provocando"

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  6. HMJ,
    Não acho bem que tenham retirado as Viagens do Garrett do programa, embora eu ache que, mesmo no meu tempo, não tínhamos arcaboiço para ler aquela obra, quanto mais hoje...
    Quando digo isto, não tem nada a ver com o facilitismo. No liceu, nunca fui uma grande estudante, mas era uma leitora compulsiva.
    Essas obras intimistas requerem alguns anos de quem as lê.
    Por outro lado, há uns tempos que penso que Portugal na balança da Europa, do Garrett, devia ser de leitura obrigatória, nas cadeiras de Português e de História.

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  7. Para MR:
    o seu registo toca no tal "porão adormecido" - herança pesada da experiência docente - que tento dominar para não me exaltar. Por vezes surge, com apontamentos breves no ARPOSE. Confesso, no entanto, que a contenção é enorme perante o desastre mental, cultural e social de uma educação - nacional e europeia ! - com o objectivo de "castração" humana e a crescente "robotização e uniformização" da população ao serviço do poder oculto do mundo económico e financeiro. Obras de Garrett, como a que mencionou, ou o próprio tratado "Sobre a educação" não se enquadram nesta voragem desumana. A leitura de textos literários não pode ser apenas para uma "elite", seguindo uma máxima de Garrett no seu texto ao "Conservatório" !

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