«No DN colaborou em tempos Fernando Pessoa, um bêbedo. Um tipo que era apanhado, não poucas vezes, em flagrante de litro. Para desculpa do DN, naqueles tempos ainda não havia o arsenal de leis purificadoras que permite, hoje, o Correio da Manhã (salve, ó bíblia dos costumes morigeradores!) tirar os seus jornalistas da perdição. Um jornalista tipo CM vai para uma reportagem e salta-lhe ao caminho o advogado da empresa: "Fulano, vamos lá ao nosso exame de deontologia!" O advogado aponta a linha reta feita a giz que o jornalista, de braços abertos, tem de percorrer sem bambolear. Exame conseguido, o jornalista já pode ir fazer, por exemplo, a manchete de ontem do CM: "Pai de Sicrano em fuga por tráfico de droga". Não importa que o Sicrano, de 19 anos, não tenha culpa dos tráficos do pai. Leva com o seu nome, o traje de trabalho (Sicrano é jogador de futebol) e a foto na primeira página. Algumas almas piedosas podem não achar isto bonito, mas o importante, não é?, é que aquela manchete não foi feita por um bêbedo. Um jornal com manchetes alcoólicas, fontes anónimas e jornalistas sóbrios. E, suspeito, talvez outros jornais lhe sigam o exemplo. Infelizmente, eu, que sempre bebi pouco, tenho de declarar que nunca soprarei o balão numa redação. Cruzei-me com alguns camaradas talentosíssimos e bêbedos, e, esgotadas todas as tentativas de lhes chegar às canelas, quero guardar a última esperança de o conseguir com uns copos.»
Ferreira FernandesIn: Diário de Notícias, Lisboa, 28 fev. 2014
Em geminação com o Arpose.
"Palavras para quê?": são artistas portugueses...com ou sem pasta medicinal Couto.
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