sábado, 20 de setembro de 2014

Crónica de uma tarde lisboeta


 





Adoro Lisboa. Escrevi há já alguns anos, para o livro do Arq. Miguel Correia, “Construir Lisboa”, publicado em 1997, que:“ Ver Lisboa, assim, é ver de novo, como se da primeira vez, o objecto de uma paixão que resiste à própria vida, é assumir o seu nome, é integrar a sua alma, é fazer-se um só com o seu corpo”.


O Chiado no século XIX
E adoro o Chiado, seu coração sempre e cada vez mais palpitante. Percorro o Chiado desde menino
pela mão da minha mãe quando ia às compras: Grandela, Armazéns do Chiado, Paris em Lisboa, Jerónimo Martins, Pompadour, Casa Batalha… Com paragem na Bénard para um chá ou na Ferrari para uma carapinhada. Na adolescência, “fazia Chiado” – como então se dizia – para ver as meninas bonitas da minha idade, as senhoras chiquíssimas, da antiga aristocracia ou mulheres de personalidades do Estado Novo, nas compras ou nas pastelarias – vi várias vezes, por exemplo, a D. Gertrudes Thomás com as filhas na Bénard, o carro da presidência parado à porta com o motorista fardado cá fora à espera – ou para frequentar na Brasileira uma tertúlia para a qual fui convidado pelo Capitão Júlio Costa Pinto, último secretário da Rainha D. Amélia, e de que faziam parte antigos ministros da I República a par de uma réstia de monárquicos liberais – já estão a ver a média de idades - e a que de vez em quando se juntava um poeta extravagante e meio louco, que usava uma capa à sec. XIX e dava pelo nome, obviamente literário, de Leal do Zêzere. Na verdade não passo sem, de vez em quando, dar uma saltada ao Chiado e, na Rua Garrett, sentado numa esplanada –onde vou mesmo no Inverno – ver o movimento, analisar as pessoas, tentar adivinhar quem poderão ser, a sua proveniência, admirar e muitas vezes sorrir das indumentárias, atentar em hábitos, tiques, manias.
 
 
Esta tarde lá fui em peregrinação semi- queiroziana, de Metro, como convém, começando por verificar que um lanço da escada rolante continua há largos meses por reparar. Depois, o banho de multidão, maioritariamente turistas, que se atropelavam e me atropelaram, moderna Babel de línguas e tipos os mais diversos. Com as esplanadas a abarrotar, o sol quentinho, foi difícil arranjar um lugar. E lá fiquei de novo sentado com vista para a estátua de Fernando Pessoa. Não pude deixar de me rir com os turistas que se sentam na cadeira ao seu lado para a fotografia da praxe, ou que fazem poses, as mais das vezes idiotas, como se fossem seus íntimos. E fazem-se filas para a fotografia, impedindo os transeuntes de passar. Não sei qual a percentagem dos que não fazem a menor ideia de quem foi, muito menos porque está ali, numa esplanada de um café, bebendo uma bica. Dos estrangeiros, diria que 99,9% ignoram, ficando o restante para os brasileiros que ouviram falar do poeta e um número muito menor de espanhóis. E dos portugueses prefiro nem falar para não me sentir envergonhado. A Câmara Municipal de Lisboa bem podia pôr, eventualmente sobre a mesa, porque não vejo mais espaço disponível, um pequeno painel com a indicação de quem se trata e quem foi, em duas ou três línguas. Eles, patetas que fotografam tudo, não perguntam nem querem muito saber, mas não custava nada informá-los sobre quem foi aquele senhor com ar antigo e chapéu mole démodé.
Um hábito muito pouco português irritou-me mais uma vez. O dos turistas que vendo lugares vagos na minha mesa, se querem impingir. E muitas vezes nem o fazem com nenhuma delicadeza, como uns cavalheiros que se limitaram a perguntar “It’s free?” e que levaram com a resposta seca de “no”. Ora eu não estou para aturar paspalhões e paspalhonas que não conheço de lado nenhum ignorando-me como se fosse a estátua de Pessoa ou tentando conversar, o que seria pior ainda. Defeito meu? Acredito que sim. Mas “mais vale só que mal acompanhado”.
Depois, foi descer a Garrett,  ver o homem estátua suspenso numa só perna, passar pela feirinha de livros usados – “sebos” chamam-lhe os brasileiros com alguma razão -ir até à FNAC, destino obrigatório, percorrer as prateleiras à procura de novidades e ficar “aguado” por não ter dinheiro, nem tempo, nem espaço para tudo o gostaria de comprar, ir à zona dos discos de música clássica a ver se não tenho um compositor,  uma composição ou uma interpretação nos discos de edição económica – tenho umas centenas de CD’s que vou ouvindo regularmente – e está feita a festa, Regresso a casa numa carruagem apinhada, com muitas malas e tróleis com destino ao Aeroporto. Uma tarde lisboeta muito bem passada.

3 comentários:

  1. Tb eu adoro Lisboa e gostei imenso desta sua crónica!
    Tb fui às compras à Baixa e ao Chiado - aliás era onde se 'ia às compras'...
    E lembro-me, quando ia com o meu pai, das várias tertúlias que havia n'A Brasileira em que os vários grupos falavam, por vezes,
    de umas mesas paras as outras. E das tertúlias das várias livrarias.
    Bom domingo!, que eu talvez vá à tarde ao Chiado. :)

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  2. João,
    Gostei também desta crónica e adoro Lisboa: a luz, a cidade, o cosmopolitismo.
    Se pudesse viveria em Lisboa. :))
    Para além de ir nas férias, vivi um ano que foi o ano que antecedeu a entrada na Universidade.
    Tenho boas recordações mas reconheço que é uma cidade onde o custo de vida é mais caro. :))

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  3. Bela crónica, João! Foi bom recordar algumas histórias soltas que já conhecia.

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