sábado, 11 de julho de 2015

O segredo das boas carnes frias é o segredo sensacional da mostarda inglesa da Colman’s

Há carnes frias e carnes frias. As melhores carnes frias são aquelas que se comeram assadas na véspera. A melhor de todas é de roast beef britânico que nada tem a ver com o menos delicioso rosbife português. 
Na ressaca do Natal são as fatias frias da perna de peru mas melhores ainda são as pernas (ou o lombo) de porco. E são boas frias porquê? 
Porque são a melhor desculpa que há para comer mostarda inglesa. 
Há muitas mostardas inglesas mas só uma é séria: a Colman’s em pó. Vem em latinhas lindas de 57, 113 e 454 gramas (uma libra britânica). Esta última sai mais barata e, caso consiga comer a mostarda toda, fica com uma lata estupenda para pôr lápis e canetas. É a mostarda mais vendida no Amazon.co.uk e a lata gigante custa 11 euros. Sai a 3 euros por 100 gramas e 100 gramas de pó dão para fazer mais de um quilo de mostarda. 
Este ano a Colman’s fez 200 anos e tive a sorte de poder experimentá-la em bons restaurantes londrinos com mais de duzentos anos de idade. Mandei vir a mostarda no Wilton’s em Jeremyn Street (de 1742), para mim o melhor restaurante de Londres. Provei-a no decadente mas épico Simpson’s-in-The-Strand (de 1828), no Ritz Hotel (de 1906) e no Tea Salon do Fortnum’s (de 1707). A mais bem misturada (numa vasta molheira de prata) foi o do Ritz mas estavam todas magníficas. 
São caríssimos, estes restaurantes, mas a mostarda que usam é a mesma: é aquela que custa 11 euros por 454 gramas. Terão alguma maneira secreta de misturar a mostarda? Embora haja algumas manias (como misturar com leite para ser menos picante) só há uma maneira de transformar a farinha de mostarda em molho de mostarda: é misturar-lhe igual quantidade de água, mexer bem e esperar 10 minutos. 
Estou sempre a esbarrar com mais um exemplo da epifania de Andy Warhol, ao observar que os ricos não podem comprar uma Coca-Cola melhor do que pode um vagabundo. 
A mostarda da Colman’s é a melhor mostarda inglesa, é a que sai mais barata e é a mais fácil de fazer. A coisa mais difícil é esperar 10 minutos. 
Claro que a Colman’s também fabrica dezenas de mostardas já misturadas. São mais convenientes e também são boas. Mas não são a mesma coisa. Este é o segredo que a Colman’s preferia que não soubesse mas vai ser a minha boa acção contá-lo.
O único ingrediente do pó de mostarda é farinha de mostarda, a invenção de Jeremiah Colman em 1814. Quando se junta água para fazer a mostarda são esses os dois únicos ingredientes: farinha de mostarda e água. A mostarda já feita da Colman’s só tem 21% de farinha de mostarda. Leva também açúcar (iaque!), sal (que salga de mais), farinha de trigo (batota!), curcuma (influência do Raj?) e ácido cítrico (para preservar). 
A mostarda já feita ainda pica mas não é nem de longe tão picante como a mostarda verdadeira, feita a partir do pó. Nós portugueses temos, às vezes, a mania que gostamos de picantes e que aguentamos com altos graus de piripiri mas o verdadeiro teste da capacidade de resistência é a mostarda inglesa. O verdadeiro wasabi é um doce comparado com ele, enquanto o wasabi feito do pó verde, que se come na grande maioria dos restaurantes de sushi, é uma versão mais suave da mostarda inglesa. 
A Unilever comprou a Colman’s em 1995 e muitos temeram que deixasse de produzir o pó original que rende tanto e sai tão barato. Tiveram o bom senso e o respeito de continuar a produzi-la, nas mesmas embalagens atraentes, pelos mesmos preços de amigo. 
Não é pequeno o gesto. Quem descobrir a mostarda em pó da Colman’s deixará de comprar as versões já feitas, que são mais lucrativas.
Em 2000 a Unilever comprou um fabricante de mostardas ainda mais antigo do que a Colman’s: a Maille, que nasceu em 1723 e fará 282 anos em 2015. 
A Maille também se desdobra em dezenas de versões. A melhor de todas (e a mais barata) continua a ser a Dijon Originale. Um frasco de 215 gramas custa 3,50 euros. Falo nela porque é a mostarda mais parecida com a inglesa da Colman’s. Caso ache a Colman’s picante de mais (ou não gosta do efeito secundário de fumegar as vias respiratórias), a Dijon Originale, sendo um pouco mais suave, substitui-a perfeitamente.

Miguel Esteves Cardoso
(Público, 27 dez. 2014)

Também gosto de mostarda Colman's. Guardei o artigo para esta época, porque agora sabe bem comer umas carnes frias.

6 comentários:

  1. Últimamente, quase não há textos do MEC(o) em que não haja publicidade encapotada a alguma coisa ou produto. E, normalmente, diz sempre que foi, ou é, o melhor que existe, num nacional-porreirismo que parece acusar um certo acriticismo senil. Ele lá sabe...
    Bom dia!

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  2. Aqui é sobre uma mostarda inglesa. :)
    Sim, mas concordo que ele está ficar chatinho sempre com as maravilhas das hortas e da sua Maria João.
    Bom dia!

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  3. Vou ser rasteiro: eu acho que ele o que quer é uns presentinhos, por debaixo da mesa, e uns almoços grátis. Não acredito na bondade da sua obesidade... Inteiramente parvo, não é.
    Bom fim-de-semana!

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  4. E eu vou ser ainda pior:
    Então vai ter Colman's para oferecer uns cabazes de Natal aos amigos. :-)
    Boa tarde!

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  5. Subscrevo os comentários já publicados.
    Boa noite.

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  6. O MEC é um especialista em product placemement , e cada vez menos subtil ...

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