segunda-feira, 3 de agosto de 2015

A memória já cá não mora, diz T-shirt

«Um futebolista português foi transferido do Santa Clara, Açores, para o modesto Jaén, Espanha. Na apresentação, ontem, ele chumbou em memória: apareceu de T-shirt com a cara de Franco estampada. Não a de Franco Baresi, grande líbero, que brilhou no Milan, mas a do general Francisco Franco Bahamonde, não confundir com Federico Bahamontes, lendário ciclista, ganhador dum Tour. Quer dizer, o nosso patrício, com tanta escolha haveria logo de ir pela cara dum pulha. Lá esteve, com sorriso de defeso e um criminoso ao peito. Se fosse manobra publicitária, seria de arromba (muitos tweets, ontem), mas foi só ignorância, ele não sabia de Espanha. Pior, os do clube de Jaén - que viram o português, do chegar até se sentar na sala das apresentações, e não o preveniram - alinharam em maior ignorância, não sabiam nada da sua Jaén. Esta é a andaluza capital mundial do azeite, cercada de oliveiras. Um dia, noutra eternidade, ouvi Paco Ibáñez a cantar "Andaluces de Jaén". Voz dorida dum exilado, a cantar quem trabalha: "Andaluces de Jaén / Aceituneros altivos/ Decidme en el alma, quien? / De quien son esos olivos? / Andaluces de Jaén." Palavras de Miguel Hernández, que começou pastor na Andaluzia e fez-se poeta grande. No fim da guerra civil, tentou fugir para Portugal mas Salazar devolveu-o a Huelva, ao tal da T-shirt. Miguel Hernández morreu numa cela, em 1942, aos 31 anos. Nada é tão perda de memória como quando ela é exposta ao peito.»
Ferreira Fernandes
DN, Lisboa, 30 jul. 2015

Quando vi este rapazinho na tv, também eu me lembrei da canção de Paco Ibáñez.

4 comentários:

  1. Haverá duas maneiras, pelo menos, para classificar o dislate. A primeira, mais rigorosa, seria dizer-se: quem trabalha com os pés, usa pouco a cabeça; a segunda, talvez mais justa e exacta, é que memória e cultura, nos dias de hoje, têm pouquíssimo valor, e se descartam, rapidamente, como coisa efémera e inútil.
    Bom dia!

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  2. Concordo com a segunda.
    Quando vi o rapaz naquela triste figura, com um ar muito feliz, perguntei-me como é que nenhum espanhol não o aconselhou (no mínimo) a mudar de t-shirt.

    Bom dia!

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  3. O "escândalo" do jogador com a cara de Franco na T-Shirt é mais um caso de ignorância, elevado à máxima potência por ser de um jogador de futebol, mesmo que de um club modesto e por se tratar do ditador espanhol e isto ter ocorrido em Espanha. Tivesse ele usado uma camisola com Che Guevara, que também não deve saber quem foi, ninguém dizia nada.

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  4. Não deixa de ter alguma razão, JMS. Infelizmente. Eu tb fui uma admiradora de Che Guevara até ao dia em que vi um documentário sobre ele e li a biografia que Taibo escreveu.
    Tb anda por aí muito meninó com o Che (transformado em estrela pop) estampado na camisola e não sabe nada sobre ele.
    Bom dia!

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