quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Mário Cesariny: «e entre nós e as palavras, o nosso dever falar»



YOU ARE WELCOME TO ENSINORE

Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos morte violar-nos tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipício

Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas que esperam por nós
e outras frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
e há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e sua posição

Entre nós e as palavras, surdamente,
as mãos e as paredes de Elsenor
E há palavras e nocturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmos só amor só solidão desfeita

Entre nós e as palavras, os emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso dever falar

Mário Cesariny

2 comentários:

  1. Lembra-te
    que todos os momentos
    que nos coroaram
    todas as estradas
    radiosas que abrimos
    irão achando sem fim
    seu ansioso lugar
    seu botão de florir
    o horizonte
    e que dessa procura
    extenuante e precisa
    não teremos sinal
    senão o de saber
    que irá por onde fomos
    um para o outro
    vividos

    Mário Cesariny, de 'Pena capital'

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