quinta-feira, 1 de junho de 2017

Leituras no Metro - 278

Lisboa: Guerra e Paz, 2016

Gosto muito de livros de entrevistas. E gostei deste.

«Fazer parte de um grupo era muito bom. Juntávamo-nos no meio dos caminhos e partíamos em algazarra na direçõ do mato. No mato existiam lebres, perdizes. gatos bravos, moravam bichos répteis de vária espécie. A relação com todo este bestiário era qualquer coisa de fortíssimo, entre terror e atração. Mas, por outro lado, a luta pela sobrevivência era alguma coisa que me tocava profundamente, de tal modo que, muitas vezes, não me deixava dormir.
«Não me deixava nem a mim, nem às outras crianças, porque nós, às vezes, falávamos nisso. A luta pela sobrevivência er dura. Colher os frutos das árvores era alguma coisa que se fazia sob um calor tórrido. A luta do trabalho nos campos não dava tréguas. A noção de classe estava enraizada, sentia-se perfeitamente quem era muito  obre, que era menos pobre e quem eram os detentores da terra. Estes, de uma maneira geral, eram brutais em relação às outras pessoas.
«A minha família fazia parte daqueles que estavam no meio, não tínhamos muito mas dava para os mes avós manterem assalariados ao seu serviço, o que significava um pequeno estatuto acima. Mas, na vedade, os meus amigos, a maior parte deles, não tinham praticamente nada em casa. Muitas dessas crianças andavam descalças, estavam desnutridas, tinham problemas de pele, tinham problemas de toda a natureza, e essa situação de testemunho da penúria marcou-me para sempre. Acho que nunca deixarei de olhar para as pessoas que nada têm sem pensa naqueles meus colegas da escola primária, foi uma experiência determinante.» (p. 27-28)

«Testemunhei os últimos cinco anos da Guerra Colonial, quando muitos militares já estavam bastante desmoralizados. Lá havia um ou outro guerreiro, digamos assim, que estava convencido da bondade da situação, mas poucos. A maior parte estava contra. Muitos militares discutiam a forma como encerrar o conflito com a menor perda possível de vidas, para um lado e para o outro.
«Quer dizer, quando se olha para esse tempo só a preto e branco, alimenta-se um erro. E a História tenderá a simplificar, mas na realidade foi tudo muito nuancé, tudo muito complexo, as pessoas percebiam que o futuro era incerto, e que abandonar África de um momento para o outro podia criar grandes problemas a uma parte significativa da população europeia aí residente.
«Ao mesmo tempo, por outro lado, quem tinha lutado durante mais de uma década para que as colónias se transformassem em países independentes de pleno direito não iria abdicar de nada, sobretudo da urgência da autodeterminação. O tempo iria ser o grande fator, a urgência a grande cilada.» (p. 84-85)

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