quinta-feira, 2 de abril de 2020

O bem português


Não é só gostar dos italianos: eu seria incapaz de gostar de alguém que não tivesse uma grande ternura pelos italianos. 
É um alívio que o coronavírus esteja a abrandar na Itália. Comoveu-me o cuidado que os italianos tiveram — até os mais aflitos — de avisar os outros países, instigando-os a proteger-se mais cedo do que eles puderam. É por isso que me envergonha que os italianos tenham pedido ajuda e que não a tivéssemos dado quando mais precisavam. 
Tudo isto da solidariedade e da entreajuda é mais antiga do que a conversa dos coronabonds. Não é só a União Europeia que está em causa: é a Europa. Nem é só simpatia e admiração. Aprendemos muito com os italianos, tanto no pretérito como no presente do verbo. 
Foi a Itália que assustou Portugal. Os nossos médicos identificam-se com os italianos. Há até um certo complexo de inferioridade na questão — mas quem não é inferior aos italianos? E haverá maiores peritos em complexo de inferioridade do que nós portugueses? 
Pensámos: «Se é este inferno em Itália, imagine-se o que vai ser em Portugal. Sendo eles mais ricos, populosos e experientes do que nós, a nossa única maneira inteligente de reagir é fazer como eles fazem, com a vantagem de estarmos mais atrasados na pandemia.» 
Assim fizemos, porventura com o zelo acrescido do bom aluno. Nunca percebi qual era a vergonha de ser bom aluno. Vergonha é não reconhecer e não agradecer os bons professores que se teve. 
Ainda bem que não caímos na asneira de tentar uma via original para o coronavírus, daquelas «bem portuguesas».

Miguel Esteves Cardoso
Público, 1 abr. 2010

4 comentários:

  1. Ora aqui está uma crónica que eu subscrevo e até julgo ser capaz de escrever. De certeza sem a habilidade literário do Miguel Esteves Cardoso que até já me roubou parte do post de hoje (mas faz de conta que não sei e pronto).
    estou contente pela Itália.

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  2. Vamos lá a ver o que aconteceu ontem. Esperemos que esteja a estabilizar.
    Bom dia!

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  3. O texto do MEC é excelente e saúdo a partilha, especialmente depois de ter recebido um mail assinado pelo Director do "Expresso" e subscrito por diversos directores dos restantes órgãos de informação.
    Estes cavalheiros criadores do "Nónio" revelam-se como tristes personagens de um mundo que mudou na passagem do milénio e 20 anos depois ainda não perceberam,.
    A partilha de hoje em dia corresponde aos empréstimos do século passado em que o jornal e os livros passavam por diversas mãos e ninguém era preso, excepto no tempo do fascismo em que se era preso por se ter um livro ou um jornal.
    Peço desculpa pelo desabafo:-)
    Muito boa tarde!

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  4. Não li esse email, mas imagino que tenha a ver com a partilha de jornais na net. Realmente é um pouco como os jornais que as pessoas iam ler aos cafés e ainda vão ler às bibliotecas.
    Se o teor do abaixo-assinado for o que penso, escolheram um altura inapropriada para o fazer.
    Bom dia!

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