PELÉ: 1000
O difícil, o extraordinário, não é fazer mil gols, como Pelé.
É fazer um gol como Pelé. Aquele gol que gostaríamos tanto de fazer,
que nos sentimos maduros para fazer, mas que, diabolicamente,
não se deixa fazer. O gol.
Que adianta escrever mil livros, como simples resultado de
aplicação mecânica, mãos batendo máquina de manhã à noite,
traseiro posto na almofada, palavras dóceis e resignadas ao uso
incolor? O livro único, este não há condições, regras, receitas,
códigos, cólicas que o façam existir, e só ele conta – negativamente –
em nossa bibliografia.
Romancistas que não capturam o romance,
poetas de que o poema está-se rindo a distância, pensadores que
palmilham o batido pensamento alheio, em vão circulamos na pista
durante 50 anos. O muito papel que sujamos continua alvo,
alheio
às letras que nele se imprimem, pois aquela não era a combinação
de letras que ele exigia de nós. E quantos metros cúbicos de suor,
para chegar a esse não-resultado!
Então o gol independe de nossa vontade, formação e mestria?
Receio que sim. Produto divino, talvez? Mas, se não valem
exortações, apelos cabalísticos, bossas mágicas para que ele se
manifeste... Se é de Deus, Deus se diverte negando-o aos que o
imploram, e, distribuindo-o a seu capricho, Deus sabe a quem,
às vezes um mau elemento.
A obra de arte, em forma de gol ou
de texto, casa, pintura, som, dança e outras mais, parece antes
coisa-em-ser da natureza, revelada arbitrariamente, quase que
à revelia do instrumento humano usado para a revelação. Se a
obrigação é aprender, por que todos que aprendem não a realizam?
Por que só este ou aquele chega a realizá-la? Por que não há 11 Pelés
em cada time? Ou 10, para dar uma chance ao time adversário?
O Rei chega ao milésimo gol (sem pressa, até se permitindo o
charme de retificar para menos a contagem) por uma fatalidade à
margem do seu saber técnico e artístico.
Na realidade, está lavrando
sempre o mesmo tento perfeito, pois outros tentos menos apurados
não são de sua competência. Sabe apenas fazer o máximo, e quando
deixa de destacar-se no campo é porque até ele tem instantes de
não-Pelé, como os não-Pelés que somos todos.
Carlos Drummond de Andrade
Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 28 nov. 1969
Fuga para a Vitória, um bom filme.
Pelé merece as homenagens que vierem. E todas são bem vindas. Mas as palavras de Drummond de Andrade também são geniais. De um génio para outro, estão bem.
ResponderEliminarFoi uma notícia triste.
ResponderEliminarNeste caso, esperada.
ResponderEliminarBom dia para as duas.
Para mí, el mejor de todo los tiempos, junto con J. Cruyf; no sólo por su categoría como futbolista, también por su categoría como persona.
ResponderEliminarDescanse en paz
Saludos
Pode ser, mas o meu rei é o Eusébio. 😂 Vi o Pelé jogar, assim como Cruyff, e, embora eu não perceba nada de futebol, eram os três elegantíssimos a jogar. E desportistas.
ResponderEliminarBoa noite!