Porto: Porto Ed., 2020.
Este livro fez-me sorrir muitas vezes sentada no banco do metro. Uma crónica sobre taxistas. Há duas classes de trabalhadores com quem não falo: taxistas e polícias. Com os taxistas: cumprimento quando entro no carro, digo o local para onde quero ir e no final pago e cumprimento. Só em dois casos, falei qualquer coisa. Uma há muitos anos com um taxista-pregador. Lá o deixei pregar, pregar, até que ele levanta do banco do pendura uma bíblia e queria-ma impingir. Aí, disse-lhe para parar, paguei e saí. Não seis e foi o mesmo da crónica de Mário de Carvalho.
Há umas semanas apanhei um que vociferava contra umas medidas do Governo que visam combater o abandono escolar precoce por parte da comunidade cigana. E que aquele apoio devia ser dado aos «coitadinhos» dos reformados. Só uns é que eram «coitadinhos».
Quando o homem parou para eu sair só lhe perguntei:
- O senhor é católico?
- Sou.
- Então, somos todos irmãos, não é?
Há outra crónica de 1996 sobre conversas de autocarro. Realmente não há como conversas de autocarro ou elétrico em que as pessoas muitas vezes já se conhecem e dizem as coisas mais despudoradas.
«Um popular que não queria que na escola lhe misturassem os filhos com os dos ciganos explicou à televisão: "Eles são duma raça, nós somos doutra.» Era um homem bastante mais novo do que eu. Não teve nenhum pejo em proferir aquilo. Nem sonha, com certeza, que a declaração possa causar vergonha. Pelo menos a quem o ouça. Como é que isto me aconteceu, chegar aos cinquenta anos e ouvir dizer e reproduzir estas falas na minha terra? [...]
«Eu circulo pelas ruas, ando de autocarro, vou a supermercados. Ouço-os ao vivo. Há pouca coisa mais repugnante que a chamada "conversa de autocarro": "Eles querem é poleiro!"; "Vai pra tua terra"; "Eles andam é todos a abotoar-se"; "Não 'tava fora de jogo, não senhor". Grotesco. Sórdido. Primitivo.» (p. 81-82)
Acerca da pena de morte:
Laborinho Lúcio, quando era ministro da Justiça, disse, «com extrema dignidade, a uma jornalista tonta, de insistente microfone em riste, que se recusava absolutamente a discutir, sequer, a questão da pena de morte.
«Então em democracia não se pode discutir tudo? Não, não pode, há limites: os do bom gosto, os do respeito pelos outros, os do respeito por si próprio. E também os do respeito pelas pouquíssimas e preciosas aquisições civilizacionais, inseguras e fragilíssimas, que nos separam da barbárie.» (p. 86)
Realmente, ouve-se cada coisa. E respondeu bem o Laborinho Lúcio. Confesso que conversar com taxistas, evito. Também já tenho dificuldade em ver as notícias - a mania que têm de "esmifrar" todos os assuntos e de, à falta de notícia, começarem a pedir a opinião dos "populares", deixa-me mal disposta. Ainda assim, por vezes tenho conversas curiosas com condutores de Uber. Bom dia!
ResponderEliminarO livro semelha divertido.
ResponderEliminarApenas uma vez um taxista deixou o governo e a uns políticos ... Meu pai chegou a casa mareado.
Bom dia!
Já há muito tempo que não leio Mário de Carvalho e tenho pena.
ResponderEliminarQuanto aos taxistas, penso que há de tudo um pouco 😉
Boa Segunda!
Só entrei uma vez num Uber e foi quando parti o pé. Não arranjava um táxi e os meus netos pediram um Uber. Tb tenho ouvido histórias de condutores de uberes...
ResponderEliminarMesmo assim os taxistas estão mais civilizados do que há uns anos. Mas eu, na dúvida, bocca chiusa...
Bom dia para as três.
Sim, mas muitas vezes os que dizem essas coisas fazem uns 'favorzinhos' por um presentinho, uma atenção. E acham que isso natural... Um papel que nada mais depressa, etc.
ResponderEliminarFelizmente com a informática as entradas ficam todas registadas (data e n.º) e não pode haver substituições. Ou se houver, saber-se-á que alguém as fez.
Tb tenho os meus desabafos e irritações, mas normalmente são os meus amigos que os aturam.
Raramente ando de táxi; ando muito de metro. 😉
Bom dia!
Adorei em especial
ResponderEliminarAcerca da pena de morte:
Laborinho Lúcio, quando era ministro da Justiça, disse, «com extrema dignidade, a uma jornalista tonta, de insistente microfone em riste, que se recusava absolutamente a discutir, sequer, a questão da pena de morte.
«Então em democracia não se pode discutir tudo? Não, não pode, há limites: os do bom gosto, os do respeito pelos outros, os do respeito por si próprio. E também os do respeito pelas pouquíssimas e preciosas aquisições civilizacionais, inseguras e fragilíssimas, que nos separam da barbárie.» (p. 86)
Tb gostei da atitude de Laborinho Lúcio e do posicionamento em conformidade de Mário de Carvalho em relação à pena de morte.
ResponderEliminarBoa noite!