Só muito recentemente descobri o grande escritor húngaro István Orkény (1912-1979), e os seus Contos de 1 minuto, que achei fascinantes desde logo por obedecerem a uma temática geral que muito me interessa : o absurdo ou o grotesco a irromperem pela banalidade do quotidiano e inesperadamente interrompendo esta.
Sobre este tema geral ouçamos o tradutor para português, Piroska Felkai: " O narrador procura levar o leitor a pensar, a reparar na vida quotidiana, nas coisas banais, e a encontrar um sentido escondido nos fenómenos insignificantes. As situações de partida são acontecimentos típicos da vida, mas nelas os factos deslocam-se.(...) As situações que aparecem nestas obras são uma distorção tragicómica da realidade humana, um mundo em que as pessoas vivem em níveis de vida indignos, descrições da solidão, da velhice, da loucura, da morte, e uma evocação de temas históricos misturados com humor negro (...) "
Aqui fica o primeiro dos contos que escolhi :
A MORTE DO ACTOR
O popular actor Zoltán Zetelaki caiu desmaiado hoje à tarde numa travessa da Avenida Ulloi.
Foi levado pelos transeuntes à clínica mais próxima, onde se revelaram vãs todas as tentativas de reanimação, mesmo com as mais recentes conquistas científicas, tipo o pulmão de aço. O ilustre actor faleceu às sete e meia da tarde, depois de uma agonia prolongada: os seus restos mortais deram entrada no Instituto de Medicina Legal.
A despeito deste acontecimento trágico, a sessão da noite do Rei Lear decorreu sem problemas .
Embora um pouco atrasado e notoriamente cansado no primeiro acto ( teve de recorrer ao ponto várias vezes ) , Zetelaki retomou gradualmente o seu brilho próprio e conseguiu interpretar a morte do rei com tanta convicção que o público lhe ofereceu uma salva de aplausos.
Depois foi convidado para um jantar, mas recusou dizendo:
- Hoje tive um dia difícil.
- István Orkény, Histórias de 1 minuto, vol.1, Introdução, selecção e tradução do húngaro de Piroska Felkai, Cavalo de Ferro Editores, 2ª tiragem, Novembro de 2004, 23.
Não conheço, e gostei deste conto. Vou ver se o arranjo para ler. Conheço mal a literatura húngara (Sandor Marai, Imre Kertész - de que não gostei -, alguns contos e alguma poesia, em antologias). Isto está-se a tornar um hábito seguir as sugestões de leitura deste blogue. Mas ainda bem.
ResponderEliminarTambém gostei deste conto, embora não aprecie muito a literatura do absurdo.
ResponderEliminarE já que Miss Tolstoi falou de poesia húngara, aqui fica um poema de József Attila (1905-1937), que tem um monumento maravilhoso, perto do Parlamento, em Budapeste:
ESPERO-TE
Espero-te sempre. A relva está orvalhada,
esperam também as grandes árvores de [orgulhosas copas.
Rígido estou e tremo também às vezes,
sozinho como a noite em calafrios.
O prado, se viesses, tornava-se corredor liso
e silêncio seria. Um grande silêncio.
Na música ouviríamos, misteriosa,
cantariam nos lábios nossos corações
e lentos, corados, nos fundiríamos
em altar cheiroso, ardendo
para o infinito.
(In: Antologia da poesia húngara / sel. e trad. de Ernesto Rodrigues. Lisboa: Âncora, 2002, p. 183)
Recomendo esta antologia que tem poetas óptimos, numa óptima tradução.
M.
Gosto de histórias do absurdo. E pelo que comenta, parece-me que o autor se mete numa câmara que está em constante movimento.
ResponderEliminarVou procurar os Contos de 1 minuto.
Boas sugestões tem também sempre a nossa amiga M., a quem agradeço mais esta,até porque este blogue,segundo a língua grega,é um espaço de prosa e poesia.
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