Manuel Teixeira Gomes
O escritor Manuel Teixeira Gomes, Presidente da República entre 1923 e 1925, morreu em Bougie (actual Bejaia), na Argélia, em 18 de Outubro de 1941. Vivia exilado desde 1925.
Marques de Oliveira – «Manuel Teixeira Gomes»,
óleo sobre tela, 1881
Porto, col. Museu Nacional de Soares dos Reis
DOIS EXCERTOS:
Junho, 14 [1895]
É um verdadeiro enigma o modo como se mantém o café do Hotel Internacional, conhecido geralmente pelo «Aquário dos imbecis». Os frequentadores, que são pouco numerosos, nada tomam: vão lá para conversar e ver a gente que passa a caminho da Avenida.
Um exemplo bem frisante: uma vez ouvi o barão da Regaleira dizer ao criado: - «Olha, Paço, se alguém procurar por mim dize que não tardo nada; vou ali a casa tomar café e já volto…»* Um freguês fixo, e invariável nas bebidas fortes, complicadas e caras, é o grandíssimo borrachão do encarregado de negócios da Rússia, mas esse nunca paga coisa a conta do hotel, onde ocupa há mais de um ano um belíssimo aposento.
Nisto pensava eu, muito repimpado em cómodo cadeirão, à porta do «aquário», esperando pelo Fialho, a quem dera rendez-vous, quando ele me aparece mais enfeitado do que uma noiva de aldeia. O que el trazia na gravata não era alfinete mas um autêntico broche; a abotoadura do colete de vidro colorido; e a cadeia do relógio toda resplandecente de pedraria falsa. A abordagem foi algo penosa. Não resisti a perguntar-lhe se eram aquelas as jóias com que a Emília das Neves representara «Joana a louca», e ele, todo abespinhado, faz menção de se ir embora. Mas serenei-o como pude e ficou. Passámos o dia juntos, alegres e descuidados como sucedia há dez anos; ele, despido de pompas literárias, estava singularmente feliz nos seus ditos, e eu ri de gosto vezes sem conto. […]
In: Regressos. 2.ª ed. Lisboa: Seara Nova, 1935
* Devíamos seguir este método: sentarmo-nos na Brasileira e ir tomar café à Benard.
Tunes, 7 de Janeiro de 1927
Meu caro Amigo [Ferreira Mira]:
Quando me soltei de Belém, para voltar às minhas antigas peregrinações, foi no propósito de me remeter ao mais absoluto e intangível silêncio. Não tencionava visitar lugares que tivesse visto antes, e a comparação das impressões actuais e passadas desdobrava-me suficientemente, para que eu pudesse manter comigo esse diálogo, a que tanto se prestam as viagens, e que na maioria dos casos torna apreciável a presença de um companheiro, ou a correspondência seguida com um amigo. Supunha-me suficientemente apetrechado para a existência solitária. O meu amor à solidão tem de particular que de forma alguma me exalta ou excita o espírito revolucionário. Dizia um filósofo da antiguidade que viver «sozinho» é próprio de um deus ou de uma fera. Graças ao progresso eu julgo que se pode viver contente na solidão, sem ser deus ou fera. Mesmo o espírito subversivo, hoje, pela complicação da vida actual, precisa, para se desenvolver e fortificar, da cooperação de muitos indivíduos –, aliás não cria asas e morre gorado, como o pinto na casca. […]
In: Miscelânea. Venda Nova: Bertrand, 1991, p. 39-40
Pois, foi uma pena o homem ter-se metido com quem não devia e isso tirou o lustro à carreira. Os seus relatórios de Londres são bastante vergonhosos e denotam mórbida curiosidade por mexericos e grosserias que nem vale a pena referir. Fez bem em retirar-se para os divertimentos de Bougie, deixando cá os Costas e restante banditagem. Na Argélia, teve tempo de sobra para pensar no que andou a dizer e a fazer durante 40 anos. Que desperdício...
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