sexta-feira, 17 de outubro de 2008

António Ramos Rosa

Quando te vejo triste
porque tudo está sob a cinza e o pó
porque os fundamentos da tua
[construção oscilam
e as portas de veludo da solidão amada
estão perigosamente abertas sobre
[um mundo hostil
tremo contigo entre as sombras movediças
como se nos tivessem devorado
[o ouro vivo das nossas vidas
ou como se o alento que quer durar
[se detivesse nos nossos peitos
Ambos desejaríamos o sossego puro
[para imergir no elemento simples
em que a dor se consuma como
[a água no silêncio
e inteiramente soa na pedra do destino
porque tudo o que amamos se apagou
[sob o arco do tempo
e renasceu na juventude da sombra
[e na consumada lucidez
de uma tristeza imaculada que procurou
[sempre o lábio da luz
e nele ardeu como um beijo que esquecendo
[deslizou para o seu princípio amante

- António Ramos Rosa, in Cem poemas portugueses do adeus e da saudade, Terramar,2002.

António Ramos Rosa nasceu em Faro, a 17 de Outubro de 1924.

6 comentários:

  1. Só os portugueses sabem cantar a saudade.

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  2. O que deu aos bloguistas? Será da crise?

    CANTIGA, PARTINDO-SE

    Senhora, partem tão tristes
    Meus olhos, por vós, meu bem,
    Que nunca tão tristes viestes
    Outros nenhuns por ninguém.

    Tão tristes, tão saudosos,
    Tão doentes da partida,
    Tão cansados, tão chorosos,
    Da morte mais desejosos
    Cem mil vezes que da vida.
    Partem tão tristes os tristes,
    Tão fora de esperar bem,
    Que nunca tão tristes vistes
    Outros nenhuns por ninguém.

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  3. Esqueci-me do autor:

    João Ruiz de Castelo Branco

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  4. É verdade, só os portugueses sabem cantar a saudade.
    Gosto imenso de Ramos Rosa. Hoje á tarde, quando chegar a casa envio-lhe um poema para agradecer o seu post

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  5. Para agradecer as surpresas que dão e esquecer o deserto em que os dias, por vezes, se tornão.
    Escolhi o primeiro poema do livro " A Palavra e o Lugar".

    O GRITO CLARO

    De escadas isubmissas
    de fechaduras alerta
    de chaves submersas
    e roucos subterrâneos
    onde a esperança enlouqueceu
    de notas dissonantes
    de um grito de loucura
    de toda a matéria escura
    sufocada e contraída
    nasce o grito claro

    António Ramos Rosa, A Palavra e o Lugar, Lisboa: Publicações D. Quixote, 1977, p. 17

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  6. Venho corrigir um erro crasso onde se lê tornão é, obviamente, tornam. Tenho tido más influências de um livro belíssimo que ando a ler.

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