sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Estrela da tarde

Sem dúvida um dos mais belos poemas de Ary dos Santos.

1976...Que saudades de tudo

Estrela da tarde
Era a tarde mais longa de todas as tardes
que me acontecia
eu esperava por ti, tu não vinhas
tardavas e eu entardecia
Era tarde, tão tarde, que a boca,
tardando-lhe o beijo, mordia
quando à boca da noite surgiste
na tarde tal rosa tardia
quando nós nos olhamos tardamos no beijo
que a boca pedia
e na tarde ficámos unidos ardendo na luz
que morria
em nós dois nessa tarde em que tanto
tardaste o sol amanhecia
era tarde de mais para haver outra noite
para haver outro dia.

Meu amor, meu amor
Minha estrela da tarde
Que o luar te amanheça e o meu corpo te guarde
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
Se tu és a alegria ou se és a tristeza.
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza.

Foi a mais bela de todas as noites
Que me aconteceram
Dos nocturnos silencios que à noite
De aromas e beijos se encheram
Foi a noite em que os nossos dois
Corpos cansados não adormeceram
E da estrada mais linda da noite uma festa
De fogo fizeram.
Foram noites e noites que numa só noite
Nos aconteceram
Era o dia da noite de todas as noites
Que nos precederam
Era a noite mais clara daqueles
Que à noite amando se deram
E entre os braços da noite de tanto
Se amarem, vivendo morreram.

Eu não sei, meu amor, se o que digo
É ternura, se é riso, se é pranto
É por ti que adormeço e acordo
E acordado recordo no canto
Essa tarde em que tarde surgiste
Dum triste e profundo recanto
Essa noite em que cedo nasceste despida
De mágoa e de espanto.
Meu amor, nunca é tarde nem cedo
Para quem se quer tanto.

2 comentários:

  1. Bem digo eu: os bloguistas estão em crise...

    Gosto deste poema do Ary dos Santos e da canção do Tordo, uma das mais bonitas que escreveu. Desta e do «Cavalo à Solta», também da mesma dupla.

    CAVALO À SOLTA

    Minha laranja amarga e doce
    Meu poema feito de gomos de saudade
    Minha pena pesada e leve
    Secreta e pura
    Minha passagem para o breve
    Breve instante da loucura
    Minha ousadia, meu galope, minha rédia,
    Meu potro doido, minha chama,
    Minha réstia de luz intensa, de voz aberta
    Minha denúncia do que pensa
    Do que sente a gente certa
    Em ti respiro, em ti eu provo
    Por ti consigo esta força que de novo
    Em ti persigo, em ti percorro
    Cavalo à solta pela margem do teu corpo
    Minha alegria, minha amargura,
    Minha coragem de correr contra a ternura
    Minha laranja amarga e doce
    Minha espada, meu poema feito de dois gumes
    Tudo ou nada
    Por ti renego, por ti aceito
    Este corcel que não sussego
    À desfilada no meu peito
    Por isso digo canção castigo
    Amêndoa, travo, corpo, alma
    Amante, amigo
    Por isso canto, por isso digo
    Alpendre, casa, cama, arca do meu trigo
    Minha alegria, minha amargura
    Minha coragem de correr contra a ternura
    Minha ousadia, minha aventura
    Minha coragem de correr contra a ternura

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  2. O poema é lindo e a voz do Carlos do Carmo é divinal.

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