sexta-feira, 23 de outubro de 2009

O querido Brad

Fernanda não conseguia parar. Era mais forte do que ela e de nada tinham servido as lágrimas da mãe, as gritarias da irmã ou mesmo as conversas semanais com o Dr.Barbosa.
Até o fim do namoro com Rui, depois de este aguentar durante seis meses uma concorrência impossível, não tinha produzido qualquer efeito.
Tal como vinha fazendo nos últimos anos, Fernanda começava e acabava o dia correspondendo-se com o seu querido Brad. Todos lhe diziam que não era a estrela quem lhe respondia mas sim um qualquer funcionário do respectivo manager, mas Fernanda recusava-se a acreditar - " E a assinatura na fotografia que ele me mandou também não é dele? ". Fotografia autografada pela conhecida estrela de cinema que Fernanda tinha mandado emoldurar e que beijava diariamente pelo menos duas vezes- ao acordar e ao deitar.
Além do correio electrónico diário, Fernanda enviava de quando em vez umas "encomendas" ao conhecido actor de Hollywood: entre queijadas de Sintra e pastéis de Tentúgal, seguiam também cd's de Amália e uns versos do Fernando Pessoa em inglês. Também os risos mal disfarçados das meninas dos Correios não incomodavam Fernanda - "Umas invejosas" era como as retratava perante Carolina, a sua colega no emprego, melhor amiga e também fã do querido Brad, embora Carolina limitasse a sua adoração por Brad a ter o quarto onde dormia forrado de posteres do dito e a enviar-lhe ocasionalmente uns mails.
Era no emprego, um call-center de uma conhecida marca de telemóveis, que Fernanda mais sentia a "inveja" dos comuns mortais. Raro o dia em que não lhe dissessem perante um cliente mais demorado a explicitar a reclamação- " É o Brad ao telefone? Cuidado com a Angelina", o que provocava uma gargalhada geral aos demais operadores e até um sorriso discreto ao supervisor.
Os serões de Fernanda eram relativamente iguais uns aos outros: assistir no seu televisor gigante que ainda estava a pagar à filmografia de Brad Pitt, à excepção do filme Seven que via só de vez em quando porque lhe perturbava o sono.Tinha todos os dvd, incluindo as versões especiais e de aniversário, sobretudo por causa de alguns extras: as preciosas entrevistas concedidas pelo actor sobre o filme em causa. Domingo era também dia de Brad, pois que era o dia reservado por Fernanda para pôr em ordem a colecção: uma meia dúzia de pesados dossiês cheios de fotografias e artigos de revistas e jornais sobre o actor. Tudo muito bem recortado e catalogado, sendo que as peças que iam amarelecendo com o tempo eram substituídas por fotocópias.
Foi precisamente com um artigo de jornal que a rotina de Fernanda se alterou: o seu amado ídolo viria a Portugal para integrar o júri de um festival, o Estoril Film Festival em Novembro, e traria a família para conhecer o país. Com cerca de um mês para se preparar, Fernanda sabia que tinha de agir depressa. Para surpresa de todos, aderiu a um ginásio cumprindo penosamente três vezes por semana as rotinas dos instrutores, iniciou uma dieta e surpreendou o Jójó do "Salão Ideal" ao pedir-lhe um penteado novo com extensões e madeixas.
O seu inglês não era perfeito, especialmente em conversação, mas era tudo uma questão de tempo e Brad compreenderia.
Um sábado de manhã, aproveitando uma ida à Baixa, Fernanda comprou óleo numa espingardaria do Rossio junto à estação com o mesmo nome e essa tarde foi passada a olear cuidadosamente a velha pistola que o pai tinha trazido da tropa e de que ela se tinha apropriado durante uma visita a casa da mãe.
Tudo tinha de estar pronto para o dia 5 de Novembro: Fernanda já sabia qual era o hotel, os horários e o itinerário do casal Brangelina.
Fernanda também sabia que de início não seria fácil para Brad e para as crianças, embora ele já soubesse que ela adorava crianças conforme constava de vários mails, mas sobretudo Fernanda acreditava no preceito tantas vezes enunciado pela sua mãe: "O tempo resolve tudo."
Era inevitável, Angelina tinha mesmo de morrer.



10 comentários:

  1. Estas crónicas prometem.
    M.

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  2. Desconhecia esta tua propensão para o humor negro!

    MFB

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  3. Gosto do Brad Pitt, mas não chegaria a tanto.

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  4. E o pior que há mesmo gente tresloucada que persegue e ameaça os actores ou cantores preferidos. Espero que esta "Fernanda" seja só personagem...

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  5. Sim, esperemos que não haja por aí nenhuma "Fernanda" aos tiros... Senão, avisem.
    M.

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  6. "Angelina tinha mesmo de morrer"...
    Não conhecia a sua fértil imaginação!
    Bradmania...
    Ana

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  7. Luís,o ficcionista, vai de vento em popa. Força! Escusava era de ter estado tanto tempo calado.

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  8. Sou um adepto da sabedoria do Eclesiastes :)

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