W. H. Auden (Avedon, 1960)
Numa tradução de poesia importa, à partida, definir um critério de valores. Podem encarar-se alguns dos aspectos a ter em conta. Por exemplo: manter ou não a rima (se o poema for rimado), tentar conservar o ritmo ou não, respeitar o sentido do poema e/ou procurar atingir a intenção do poeta. Se quisermos, porém, respeitar em simultâneo estes três aspectos, referidos acima, com toda a certeza que ambicionamos chegar à “quadratura do círculo”. O que é difícil, convenhamos… E uma enorme tolice – do meu ponto de vista.
Em tudo aquilo que traduzo, procuro sobretudo o sentido dos poemas. Se puder respeitar o ritmo ou respiração do poema, tanto melhor. Manter a rima, na poesia (se tem rima) é, para mim, totalmente secundário. Em nome da rima, na tradução, se têm cometido autênticas monstruosidades. Já basta a “traição” que é traduzir, em si.
Vem isto a propósito de dois poemas de Wisten Hugh Auden (1907-1973) que traduzi e transcrevo abaixo.
Não sendo um poeta excessivamente moderno, ou inovador nas formas e metros usados, é-o nos conteúdos. Auden foi um escritor que ocupou e justificou, em plenitude, o seu tempo de vida na Terra. Nómada, com profundas convicções políticas, teve uma intervenção e tomadas de posição inequívocas, persistentes e marcadas perante os grandes problemas ou crises que afectaram o Mundo e a sua época. A Guerra Civil de Espanha, a ascensão do nazismo e a II Grande Guerra foram objecto de poemas seus. Tem mesmo um poema intitulado “September 1, 1939”, numa atitude semelhante à de René Char. A menorização dos princípios éticos também o preocupava:
Em tudo aquilo que traduzo, procuro sobretudo o sentido dos poemas. Se puder respeitar o ritmo ou respiração do poema, tanto melhor. Manter a rima, na poesia (se tem rima) é, para mim, totalmente secundário. Em nome da rima, na tradução, se têm cometido autênticas monstruosidades. Já basta a “traição” que é traduzir, em si.
Vem isto a propósito de dois poemas de Wisten Hugh Auden (1907-1973) que traduzi e transcrevo abaixo.
Não sendo um poeta excessivamente moderno, ou inovador nas formas e metros usados, é-o nos conteúdos. Auden foi um escritor que ocupou e justificou, em plenitude, o seu tempo de vida na Terra. Nómada, com profundas convicções políticas, teve uma intervenção e tomadas de posição inequívocas, persistentes e marcadas perante os grandes problemas ou crises que afectaram o Mundo e a sua época. A Guerra Civil de Espanha, a ascensão do nazismo e a II Grande Guerra foram objecto de poemas seus. Tem mesmo um poema intitulado “September 1, 1939”, numa atitude semelhante à de René Char. A menorização dos princípios éticos também o preocupava:
“A História da Verdade
Há muito e quando ser era também acreditar
A verdade era superior a muitas crenças,
A mais inicial, mais eterna que um leão com asas
De morcego, um cão de rabo de peixe, um peixe com cabeça
De águia, e o menor dos mortais duvidava que morressem.
A verdade era o exemplo que procuravam construir
Um conjunto de duráveis objectos em que acreditar,
Sem crer nas coisas terrestres ou na lenda,
No arco e na canção, onde credível ou não
A verdade estava sempre ali por ser mesmo verdade.
Só que, entretanto, assim como os úteis pratos de papel,
A verdade converteu-se em quilovátios,
E a última coisa a fazer foi criar um anti-modelo,
Alguma inverdade por onde alguém possa mentir,
Um nada em que ninguém precisa de acreditar.”
Frontal e incómodo para o Poder, de humor, por vezes, sarcástico, Auden foi também libretista de óperas e autor de peças de teatro. A sua poesia, no entanto, não excluiu o amor, tema que sempre abordou de forma emotiva, mas nunca de maneira excessivamente sentimental.
Jack Butler Yeats - The two travellers
Londres, Tate Gallery
Disso é exemplo o poema “Funeral Blues”, uma das suas obras mais difundidas, que foi utilizado no filme “Quatro casamentos e um funeral”.
“Parem todos os relógios, desliguem o telefone,
Evitem que o cão ladre, com um osso saboroso,
Silenciem os pianos e ao som cavo de tambores
Tragam o caixão, deixem entrar quem vier de luto.
Deixem os aviões gemer sobre as nossas cabeças
Escrevendo no céu a mensagem Ele Está Morto,
Ponham crepes, tarjas negras no pescoço branco dos pombos
Da rua, que os sinaleiros usem luvas pretas de algodão.
Ele era o meu Norte, o meu Sul, o meu Leste e Oeste,
A semana de trabalho e o descanso de domingo,
O meio-dia, a meia-noite, a minha fala e canção;
Eu pensava que o amor era eterno, mas estava enganado.
Agora as estrelas são inúteis: apaguem-nas todas;
Embrulhem a lua, desmantelem o sol;
Despejem o oceano e desfaçam-se da floresta
Porque nada do que vier servirá de conforto.”
P.S.: Com agradecimentos a Américo Guerreiro de Sousa.
Post de Alberto Soares.
Gosto imenso deste poeta, que leio frequentemente. E gostei das suas traduções. Obrigada!
ResponderEliminarUm bom poeta para começar bem o ano.
ResponderEliminarSim, um bom poeta para começar bem o ano. Obrigado!
ResponderEliminarMais uma excelente variação em torno de uma espinhosa questão: traduzir poesia.
ResponderEliminarAdorei o seu post. Li algumas coisas dispersas sobre ele e dele.
ResponderEliminarGostei imenso do filme "Quatro casamentos e um funeral”.
A "Verdade" tem me dado alguns dissabores... somos incompreendidos quando falamos as "verdades"!
Obrigada.
Esqueci-me de dizer qe gostei da tela que escolheu.
ResponderEliminarTambém gosto deste poeta. E do "Funeral Blues". É impossível ficar indiferente a este poema.
ResponderEliminarQuanto à "Verdade"... não me parece que tenha a ver com as "verdades", que dizem respeito a cada um.
"Há muito e quando ser era também acreditar
A verdade era superior a muitas crenças,
A mais inicial, mais eterna..."
A verdade - e espero ter "lido bem" as palavras de Auden - é, no fundo, ir à pureza original e ao essencial eterno e humano (perdoe-se-me a contradição). Quer a verdade seja mental, quer seja a verdade dos sentidos: vista, tacto, sabor, audição, olfacto...e, só deste último carácter organoléptico,segundo a Ciência, perdemos mais de metade da sua capacidade...ou seja e agora em registo menos sério: cheiramos pouco; os humanos primitivos tinham mais odor - no seu duplo sentido.Eram mais "apurados".
ResponderEliminarMas o pior terá sido a "verdade mental": aquilo com que nos enganamos a nós próprios, e enganamos - ou tentamos enganar os outros. Fernando Pessoa tratou disso até à exaustâo.
Espero ter sido fiel ao espírito de Auden, ou ao que ele quis dizer
no poema "A História da Verdade".
- As verdades não têm que ver com cada um.
ResponderEliminar- A verdade,no sentido que eu a leio é o que se pensa e se diz frontalmente, sem subterfúgios, nem escamoteamentos, sem pensar no socialmente correcto, e com isto não quero dizer que falte a diplomacia.
- A frase que APS afirma: " ir à pureza original ao essencial eterno e humano" é aquilo que eu chamo a "Verdade", mas é preciso ser-se humano e puro... :)
Não sei se me expressei mal, mas concordo com o que APS diz: a Verdade a que Auden se refere é uma, a dos três primeiros versos; a "verdade mental" (muito bem dito) são as nossas "verdades".
ResponderEliminarE as próximas "Escolhas Pessoais"?
ResponderEliminarÉ difícil manter a qualidade nas "Escolhas...". Por isso, são pessoais.Mas a próxima,não descerá
ResponderEliminarna fasquia, com certeza. É Sophia.
Mas,qualquer dia, terei de fechar a luz e a porta...