sábado, 20 de fevereiro de 2010

A.S.: Escolhas Pessoais XVIII

Florilégio Japonês


Retrato de M. Bashô

Em meados dos anos 60, e devido à minha curiosidade em conhecer poesia de outros países, para lá da Europa, fui, um dia, à Embaixada do Japão, em Lisboa, para saber se tinham biblioteca, para consulta. Fui gentilmente recebido. E, num prédio de esquina, próximo do Parque Eduardo VII, levaram-me até uma saleta onde, num armário envidraçado, se alinhavam, em boa ordem, cerca de uma centena de volumes. Consultados, por alto, dei-me conta que cerca de 20 eram de poesia japonesa traduzida para inglês e, destes, a maior parte eram de “hai-ku” (plural de “hai-kai”). Os pequenos tercetos de 17 sílabas (5-7-5) estavam quase sempre agrupados pelas estações do ano (Primavera, Verão…). Fui-os requisitando, gradualmente, e lendo com gosto. E até traduzi alguns “hai-ku” de que gostei mais.
Aprendi, entretanto, duas coisas importantes: que Matsuo Bashô (1644-1694) era o poeta japonês mais considerado; e que o “hai-kai” teria nascido de uma “dissidência” literária, em relação à poesia tradicional, por volta do séc. XV, por parte de dois poetas também importantes – Arakida Moritaka (1473-1549) e Yamazaki Sokán (1465-1553). O “hai-kai” é um poema minimalista muito insinuante e de fácil contágio (A. Machado, J. R. Jimenez, Borges, E. de Andrade…), embora de difícil execução. É como que um “flash” de uma máquina fotográfica. Um momento visual da Natureza (normalmente) que se cruza com o pensamento ou sentimento do poeta, numa síntese mimética e perfeita. Depois, desaparece, ficando transformado e condensado em 17 sílabas de um terceto.

Comecemos, então, por Bashô.

1. Outono – até as aves
e as nuvens parecem
envelhecidas.

2. Amigos separam-se
para sempre – gansos bravos
pelo céu, perdidos.

3. Do coração doce
da peónia sai voando
uma abelha ébria.

4. Narciso e biombo:
um ao outro se iluminam,
branco no branco.


Onda gigante de Hokusai

Seguidamente de Matsunaga Teitoku (1571-1653):

5. Hora do tigre:
névoa de primavera
também raiada.

6. Intenso flui
o mar bravo contra a ilha:
rio de estrelas.

Finalmente de Kobayashi Issa (1763-1827):

7. Para o mosquito
também a noite é longa,
longa e solitária.

8. A minha aldeia:
regresso, encontro, toco
- tudo se muda em sarça ardente.

As versões acima transcritas, previno, são feitas em terceira mão. Grande parte delas cotejadas, duplamente, via Octávio Paz (“Sendas de Oku”) e Nobayuku Yuasa (“The Narrow Road to the deep North…”). E, nalguns casos, também comparadas com as versões de Lucien Stryk. Tentei sempre, ao traduzir, seguir a ideia geminada do poema. Evitei os “hai-ku” em que havia divergências acentuadas. Porque, muitas vezes, na tradução de poesia cada um também se lê a si mesmo. Não tenho a certeza se o consegui evitar…

P.S.: Uma pequena curiosidade. «Bashô» é uma palavra acrescentada, na idade, ao seu próprio nome, pelo Poeta. Acontece que um discípulo lhe ofereceu um tipo de bananeira que Matsuo plantou junto de sua casa. Como gostava muito dessa árvore, acrescentou a palavra ao seu nome, em jeito de apelido.

Post de Alberto Soares

6 comentários:

  1. Idem.
    E uma bela ilustração de Hokusai.

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  2. Gosto muito de Bashô, cá por casa existe um ou dois livros com poesia dele. Foi me dado a conhecer por um amigo.
    A pintura japonesa também é do meu agrado.
    Do segundo poeta estes versos são lindíssimos:
    "Intenso flui
    o mar bravo contra a ilha:
    rio de estrelas".
    Belo post.

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  3. Conheço pouco desta poesia mas gostei muito e dos eclarecimentos que deu.
    Mª do C.M.

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  4. Belíssimo post e belos "hai-ku". Obrigada porque não conheço nada de poesia japonesa.

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