domingo, 25 de julho de 2010

Problemas de Estética (II)

Era uma vez, no tempo em que havia escudos...

As notas da infância de alguns que nos andam a ler foram, por vezes, decoradas com o retrato de Reis de Portugal, que ninguém dúvidaria (ou poucos ousavam dúvidar) que estivessem certas... e já nem estou a colocar o problema se corresponderiam (de perto ou de longe) à verdade, isto é ao aspecto do rei, para aqueles que sabemos terem sido pintados "ao vivo e a cores".
E muitos, muitos, dos que me estão a ler pagaram as suas compras com uma nota semelhante a esta.

Pois o que lá está representado é uma imagem que pretende homenagear O "Príncipe Perfeito" e os seus feitos enquanto dirigente da gesta dos descobrimentos.
Mas, existe sempre um maldito de um mas.... Mas será D. João II?
O original encontra-se em Viena (Áustria), no Kunsthistorisches Museum, com a inscrição de « Ioannes Quartus Portugaliae Rex » como se pode observar na reprodução seguinte:

Como para D. João IV havia outros retratos que não se assemelhavam e não havia, conhecidos, retratos para D. João II, Pedro Batalha Reis, apresentou na Academia Portuguesa de História, a 17 de Junho de 1942, uma conferência, publicada com o título "Um retrato d'el- rei D. João II"... havia então um rosto para o rei.

Não houve o mínimo de preocupação de olhar para a estética e para a "moda" (a forma de vestir) que se encontravam representadas.

Diz Batalha Reis:
Neste quadro vê-se o Rei de meio corpo, voltado a três quartos para a direita, em trajo de corte, e todo de preto.
Tem vestida uma capa de pele negra, largamente aberta sobre o peito, vendo-se uma golilha de renda branca em volta do pescoço, pois que o corte do fato sem gola é acentuadamente fendido à frente em V, deixando aparecer a fina camisa de Bretanha, terminada pela golilha, e nos punhos por outra renda junto das mãos, que delicadamente seguram um documento que se afigura de papel.

Nesse fundo negro sobressai ainda um grosso cordão de ouro … que lhe vem dos ombros e breve se esconde por baixo desse manto de peles; do qual deveria pender, talvez, uma cruz, ou uma medalha, como o vemos semelhantemente em retratos da época…
De metal também, e rutilante desse fundo escuro enxerga-se a parte superior do punho da espada, ou punhal, que o antebraço direito aperta contra o corpo.
Na cabeça tem um gorro preto, baixo e alongado sobre o largo, cuja borda inferior desenha a meio da franja do cabelo um leve ângulo; e sobre o seu lado direito, como único enfeite, vê-se um grande botão redondo de metal – tapado em parte por uma fita do próprio gorro.”
Até aqui tudo certo, o pior é o que vem depois...


Para comprovar quem poderia ser, Batalha Reis vai buscar uma das figuras de uma das tábuas encontradas em S. Vicente de Fora - aquela que segundo ele corresponde a D. João II - para o comprovar. A mesma tese é seguida por António Belard da Fonseca, agora ao contrário... se o homem do chapéu, de Wien, é D. João II, se pintarmos umas barbas na cara do que está pintado nos Painéis, temos a prova que é o mesmo rei... e num dos volumes de um livro da sua autoria, O Mistério dos Painéis, publica o desenho que aqui fica:

















Batalha Reis vai escrever: “é perfeito o ajustamento das feições, quando examinadas em pormenor: desde o feitio do nariz e recorte das narinas, à boca – de beiços grossos e acentuadamente recortados – ao desenho das fracas sobrancelhas, ao cabelo corredio, e até do mesmo corte em franja, às mãos alongadas, finas e brancas, e à expressão das fisionomias de semblante grave… - enfim, a todos os pormenores de confronto em que analisemos esses dois retratos!” (p.18)
E assim se inventou um falso retrato para D. João II. E que descansem em paz.

6 comentários:

  1. Muito interessante!
    Fiz um intervalo e gostei de ler este post.
    Vou lembrar-me desta história no Kunsthistorisches Museum.
    Tinha ainda dúvidas se havia de visitar:
    - este museu;
    - ou ir ao palácio Belvedere,
    - ou Schloss Schönbrunn,
    mas quero ver este retrato!
    As notas eram tão mais bonitas do que agora.

    Obrigada.

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  2. JAD:
    estou a gostar imenso destes seus "novos" postes (para mim, este é o segundo, na perspectiva).
    Sendo uma partilha do que sabe, tenho a agradecer-lha com grata e sincera Amizade.
    A. S.

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  3. Post interessantíssimo.
    Ana, o retrato pode não estar exposto.

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  4. Obrigada MR,
    Claro há essa possibilidade mas vou tentar pode ser que tenha sorte.
    Boa noite!

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  5. O Quartus (por abreviatura de 14.º) nem se aplicaria ao II nem ao III. O retrato até é parecido com D. João III. Mas a moda não poderia ser anacrónica?
    Quanto aos métodos de identificação... Até já vi não sei quem sugerir a utilização daquele software muito CSI, o que, suponho, assentará muita da sua fiabilidade na arte dos pintores envolvidos...

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  6. Quartus é número de ordem da Segunda Dinastia. D. João II é o quarto rei da Segunda Dinastia, a de Avis.

    O quadro, de Hans Holbein, jamais poderia ser de D. João III ou IV, que lhe são muito posteriores.

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