quarta-feira, 6 de outubro de 2010
Boa noite!
Gustave Moreau (1826-1898) - Salomé (pormenor), 1874-1876
SALOMÉ
Insónia roxa. A luz a virgular-se em medo,
Luz morta de luar, mais Alma do que lua...
Ela dança, ela range. A carne, álcool de nua,
Alastra-se para mim num espasmo de segredo...
Tudo é capricho ao seu redor, em sombras fátuas...
O aroma endoideceu, upou-se em cor, quebrou...
Tenho frio... Alabastro! A minha alma parou...
E o seu corpo resvala a projectar estátuas...
Ela chama-me em Íris. Nimba-se a perder-me,
Golfa-me os seios nus, ecoa-me em quebranto...
Timbres, elmos, punhais... A doida quer morrer-me:
Mordoura-se a chorar - há sexos no seu pranto...
Ergo-me em som, oscilo, e parto, e vou arder-me
Na boca imperial que humanizou um Santo...
Lisboa 1913 - novembro 3.
Mário de Sá-Carneiro
In: Poemas completos. Lisboa: Assírio & Alvim, 2001
Gustave Moreau (1826-1898) - Salomé (pormenor), 1876
BALADA DE SALOMÉ
Meus bailados endoidecem,
Adormecem,
São riscos, que os meus sentidos
Com tules de ânsia vestidos,
Traçam no ar...
Endoidecem...
Plumas que caem no mar...
Anda ao redor do meu Corpo,
Triste, exangue...
Sou uma bruma de mim...
Sou uma gota de sangue
Numa espada de marfim...
Dedos de silêncios velhos...
Breves sombras do meu Corpo
A dançarem nos espelhos...
Meus olhos, portas abertas
E desertas,
Portas para jardins pagãos...
Leves repuxos de cores...
São conventos profanados
Onde morreu uma freira...
E são palcos, minhas mãos,
Onde meus dedos-actores
Andam cantando bailados
Duma outra bailadeira...
Minha sombra, voz que escuto
Numa sala dum castelo.
Sonho de Mim. Meu cabelo,
Caudas de faisões de luto
Em parques de outros Orientes...
O meu Corpo, um girassol
Virando a todo o momento
Para o Sol
Dos meus sentidos doentes.
Sou o talismã dum mago.
E são meus olhos inquietos,
Muito pretos,
Cabeças dentro de pratos...
Sou silêncios debruçados,
Gritos de mim, ecos, tudo...
Os meus bailados são patos
Ao longe, junto dum lago,
Laços de sangue, pintados
Num pescoço de veludo...
Alfredo Guisado
In: Tempo de Orfeu. Coimbra: Angelus Novus, 2003
Alfredo Guisado é um poeta do Orpheu que pouca gente lembra e conhece. Ainda ontem, a propósito do pelouro que ocupou na última (?) vereação da Câmara de Lisboa, da Primeira República, foi tema de conversa...
ResponderEliminarOs poemas são bonitos e as pinturas de Moreau também.
ResponderEliminarSó me resta subscrever o que está supra.
ResponderEliminarEmbora, de vez em quando, leia Sá-Carneiro, não me lembrava deste poema dele. Do poema de Alfredo Guisado, também não me lembrava, mas li "Tempo de Orfeu" há anos, bem como um ou outro livro dele, assinado Pedro de Meneses.
ResponderEliminarEmbora possa parecer um pseudónimo não o é. Ele chamava-se Alfredo Pedro Meneses Guisado.
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