quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Recordando Mitterrand - 3

Este post era para ter sido publicado no passado dia 8, em continuação de outros dois. Guardei-o para hoje, quando passam 38 anos sobre o assassinato de Amílcar Cabral. Vão perceber porquê.

 
Pref. Mário Soares; trad. Geminiano Cascais Franco. Lisboa: Bertrand, 1983

Foi o segundo livro de Mitterrand que li. O primeiro, El golpe de Estado permanente, li-o numa edição espanhola (Madrid: Cuadernos para El Dialogo, 1968). Estas Janelas da memória são uma selecção de textos dos dois livros de Mitterrand, abaixo reproduzidos. Gostei tanto destas janelas (Mitterrand escrevia muito bem) que li de seguida La paille et le grain e L'abeille et l'architecte.
Segunda-feira, 22 de Janeiro [de 1973] «Coube a vez a Cabral. Acabo de saber da sua morte [a 20 de Janeiro], assassinado sobre a soleira da sua porta em Conacri. Sekou Touré acusa Portugal. Caetano nega. Não tenho elementos para julgar. Só posso dizer que Cabral morreu, como tantos outros antes dele que lutavam pela mesma causa. Quem matou Félix Moumié [assassinado com tálio, em 3 Nov. 1960]? Ele jantara em Genebra com um agente francês dos serviços secretos. Depois da refeição, rolou-se no chão, contorceu-se de dor, com o ventre dilacerado por um veneno subtil, e levou algumas horas a morrer. O inquérito não teve consequências. Uma vítima, mas o assassino, esse, ficou naturalmente incógnito. Quem matou o general Humberto Delgado, cujo corpo foi encontrado decomposto no fundo de um recesso de terreno perto da fronteira portuguesa? Quem matou Eduardo Mondlane, um dos chefes dos movimentos rebeldes de Moçambique, despedaçado em dar-es-Salam por uma encomenda com armadilha? «Amílcar Cabral era meu amigo. Se bem que tivesse sido proibido de permanecer em França, decerto que a rogo do Governo português, eu convidara-o a passar alguns dias em minha casa nas próximas férias da Páscoa. Ele aceitara com satisfação, de tal modo amava o nosso país, cuja língua falava com ductilidade. Por ocasião da minha recente viagem à Guiné, não nos havíamos praticamente separado e ele confiara-me as suas lutas, as suas esperanças. Dissera-me que os seus companheiros ocupavam dois terços da Guiné-Bissau, onde se efectuaram eleições no ano passado e se instalou uma Assembleia, esperando para breve a designação de um executivo provisório. As tropas portuguesas já não penetravam nas zonas libertadas. O movimento de libertação dispunha de escolas espalhadas no mato, de hospitais de campanha e de estruturas administrativas. Quem ouviu Amílcar Cabral jamais o esquecerá. A brandura das palavras aliava-se à argúcia de um pensamento que se mantinha disponível em torno de um ponto fixo: a liberdade, essa conquista. «Portugal perde com ele o adversário mais sensível, melhor formado nos seus valores. A estupidez visou bem, revestindo assim tal crime de um horror suplementar.» (Janelas da memória, p. 65-66)
 
Paris: Flammarion, 1980. (Le livre de poche)


 
Paris: Flammarion, 1983. (Le livre de poche) 

Um dia trarei aqui dois livros de conversas do antigo Presidente da República Francesa: um, com Elie Wiesel; o outro, com Marguerite Duras.

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